“Apesar de tudo, ser mãe é maravilhoso” - Mãe de Matilde

“Apesar de tudo, ser mãe é maravilhoso”

“Sabes, eu não sei lá muito bem falar com o mundo. Por isso tem de ser o mundo a falar comigo. A minha doença fecha-me cá dentro. Eu vejo as coisas, eu oiço as pessoas, eu toco em tudo, mas não consigo responder. Era muito bom que, um dia, eu pudesse falar, responder, correr e brincar no pátio, como tu. E, um dia, ter uma profissão. Mas talvez isso não aconteça. Têm de ser os outros a cuidar de mim e a gostar de mim”.

Rui Zink, in “Que Aventura Ser Matilde”, livro inspirado na doença rara (Pitt Hopkins) de Matilde, 11 anos

Todas as crianças são especiais. Matilde talvez seja um pouco ainda mais especial. Tem 11 anos e apresenta Síndrome de Pitt Hopkins, uma anomalia genética tão rara que afeta apenas cerca de 500 pessoas no mundo, provocando atraso no desenvolvimento motor e cognitivo.Todas as crianças são especiais. Matilde talvez seja um pouco ainda mais especial. Tem 11 anos e apresenta Síndrome de Pitt Hopkins, uma anomalia genética tão rara que afeta apenas cerca de 500 pessoas no mundo, provocando atraso no desenvolvimento motor e cognitivo.

Recuemos à gestação. Matilde era uma criança muito desejada. Cláudia Mendes queria muito ser mãe e não se amedrontou, nem com o facto de já ter interrompido uma gravidez, por problemas revelados na amniocentese, nem com os seus 38 anos, que, só por si, a colocavam numa gestação de risco. Felizmente, para felicidade de Cláudia, a gestação decorreu com tranquilidade e a bebé nasceu, aparentemente, sem problemas.

No entanto, com o passar dos meses surgiram os primeiros sinais de alerta. Quando comparada com os seus pares, Matilde não tinha adquirido as competências esperadas. Não emitia sons, apresentava dificuldades em relacionar-se, não se sentava e não controlava a cabeça. Matilde estava prestes a completar um ano de idade. Algo se passava.

Preocupada com o desenvolvimento da filha, Cláudia consultou vários pediatras. A resposta era unânime: Cláudia era uma mãe ansiosa, pouco experiente e cada criança tem o seu tempo de evolução.  Até que um dia houve um pediatra que partilhou uma opinião distinta:  “a Matilde tinha um atraso global de desenvolvimento psico-motor de cerca de 15 meses”.

Cláudia recorda: “Na altura, senti-me aliviada porque tinha encontrado alguém que me podia ajudar”. Ainda assim, o futuro era uma incógnita e a mãe continuou muito insegura com a situação de Matilde.

O diagnóstico só chegou mais tarde, aos três anos. Síndrome de Pitt Hopkins, uma doença rara que afeta o desenvolvimento, e da qual Cláudia Mendes, assim como muitos portugueses, nunca ouvira falar. Mais do que sentiu nunca sentiu que era importante estimular a Matilde.

A sua filha acabaria por ser integrada numa Unidade de Apoio à Multideficiência, inserida numa escola pública. Hoje, com 11 anos, acompanha a turma do 6º ano, mas continua a ocupar um espaço especial na escola, a sala de apoio à multideficiência. Embora Cláudia continue a esforçar-se pela máxima adaptação de Matilde, “o atraso global no seu desenvolvimento faz com que se sinta mais próxima dos meninos mais novos, pelas suas brincadeiras e pelas músicas infantis”, conta. Por sua vez, os mais pequenos “sempre a acolheram e integraram no grupo, tendo muita atenção e carinho para com ela”.

Que aventura ser Matilde!

As crianças com Síndrome de Pitt Hopkins têm dificuldade em caminhar, em falar, em comunicar com o mundo. Matilde, por exemplo, precisa de ajuda para todas as atividades e cuidados da vida diária, seja na hora de comer, de fazer a higiene ou de vestir. Como não controla os esfíncteres, usa fralda. Consegue andar curtas distâncias, mas tem de utilizar cadeira de rodas para grandes deslocações. “A evolução da minha filha tem sido muito lenta, mas os progressos são significativos face ao inicialmente previsto”, revela Cláudia Mendes, de 50 anos.

Para Matilde cada pequeno passo é uma maratona. “Há coisas que tu fazes que eu não sei fazer. Dizer o nome é apenas uma delas. Eu tenho uma doença rara e, talvez, sem cura. A síndrome de Pitt Hopkins. Essa doença torna difíceis, para mim, coisas que para ti são fáceis. Correr, saltar brincar no pátio. Até aprender. E falar. Dizer o meu nome. Ou o teu. Há coisas que tu fazes que eu não sei fazer. Dizer o nome é apenas uma delas”, lê-se no livro inspirado pela história de Matilde, “Que Aventura Ser Matilde”, escrito por Rui Zink e ilustrado por Paula Delecave. Inserido na coleção “Meninos Especiais”, um projeto da associação Pais em Rede, que conta com outras histórias de crianças com uma síndrome, estes livros procuram desmistificar certas incapacidades. Porque “a deficiência é um bicho-papão” e é preciso que as crianças convivam de forma “natural” com todos.

Ao longo destes 11 anos, Cláudia teve de reajustar e adaptar a sua vida vezes sem conta. Amor, muita paciência, tolerância e boa disposição são imprescindíveis no dia-a-dia. Mas não chega. É preciso “acreditar que é possível de alguma forma atingir objetivos e desafios que se colocam”.

“As crianças com esta doença têm dificuldade em aprender. Mas podem ser felizes e sorrir muito. Também podem, no entanto, ter surtos de angústia e outras perturbações de comportamento. É uma vida difícil, mas que nem por isso deixa de poder ser feliz”, lê-se na contracapa do livro escrito por Rui Zink.

Cláudia concorda com cada uma das destas palavras de Rui Zink. “Com a minha filha Matilde, tenho aprendido muito a valorizar a vida, a saborear os seus momentos, e a encará-la de um modo diferente. De uma forma mais calma, mais doce e menos convencional”.

A família, apesar de reduzida, sempre rodeou Matilde de atenção e amor, mostrando-se interessada e pronta a ajudar dentro das suas possibilidades. Ainda assim, “a nossa vida tem sido uma deliciosa aventura em que o inesperado está sempre presente. Não posso dizer que é fácil. Diria então que é um constante desafio que requer bastante imaginação”, afirma.

E o futuro, como será?

No livro dedicado a Matilde, Rui Zink escreve: “Sabes, eu não sei lá muito bem falar com o mundo. Por isso tem de ser o mundo a falar comigo. A minha doença fecha-me cá dentro. Eu vejo as coisas, eu oiço as pessoas, eu toco em tudo, mas não consigo responder. Era muito bom que, um dia, eu pudesse falar, responder, correr e brincar no pátio, como tu. E, um dia, ter uma profissão. Mas talvez isso não aconteça. Têm de ser os outros a cuidar de mim e a gostar de mim”.

E, por isso, o futuro continua a deixar Cláudia inquieta, uma vez que a autonomia da Matilde vai estar sempre comprometida. Adiar a maternidade trouxe-lhe maturidade, mas também lhe tem aumentado as preocupações a longo prazo.

“O meu maior desejo é que a Matilde continue a ser feliz como tem sido e que viva muitas aventuras, brincadeiras e desafios a meu lado. A minha vida mudou totalmente após a Matilde ter nascido. Mas apesar de tudo, ser mãe é maravilhoso”.

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