Vocação: Ajudar

Vocação: Ajudar

Célia Carvalho é técnica de Serviço Social no Hospital Egas Moniz, mas a sua vocação para fazer a diferença na vida dos outros não se esgota no trabalho. Entre as horas passadas no hospital e o tempo em família, criou a Mum’s & Kids, uma IPSS lisboeta que acolhe e reinsere na sociedade raparigas em situação de risco e com filhos. Fomos conhecer melhor este discreto prédio nos Anjos, onde se transformam vidas e se encontram novos rumos.

Quando deixou para trás a lezíria ribatejana para estudar Serviço Social na capital, Célia Carvalho sabia bem o que queria: continuar a intervir na comunidade, ajudar ainda mais os outros, pôr em prática os valores nobres que os pais lhe incutiram. Segunda de três filhas, em Rio Maior, onde cresceu, era conhecida como aquela pessoa sempre bem-disposta, que irradiava energia positiva e que, na associação local, organizava festas, grupos de teatro e dança, oferecendo o melhor de si a todos os que a rodeavam.

Hoje, aos 45 anos, mantém-se a missão que sempre a motivou: melhorar a qualidade de vida de outras pessoas. E desempenha-a com enorme impacto. No Hospital Egas Moniz, integra uma equipa multidisciplinar do Serviço de Doenças Infecciosas, acompanhando de forma personalizada os doentes portadores de HIV/Sida: é preciso que cumpram a terapêutica e que se (re)integrem na sociedade.

Missão: encontrar um rumo na vida

Fora do horário de trabalho, e com a cumplicidade do marido e das duas filhas, Célia é diretora técnica da Mum’s & Kids, a IPSS que fundou em 2011 para dar seguimento à obra social das Irmãs Oblatas do Santíssimo Redentor, que já ali existia e com a qual já colaborava. Já idosas, as freiras passaram-lhe o testemunho. Uma delas, a irmã Odete, ainda é visita regular no edifício de três andares, nos Anjos, que acolhe hoje oito raparigas de todo o país e seus filhos pequenos. As jovens, cuja média de idades é de 23 anos, vêm de contextos de risco, com percursos de toxicodependência, prostituição, pobreza, violência e ausência de vinculação familiar. Precisam de um futuro melhor e de encontrar o seu papel na sociedade. E de criar os filhos. A missão da Mum’s & Kids é, por isso, ambiciosa: em menos de três anos, ajudar estas jovens a encontrarem uma formação profissional, emprego, no final uma casa, e pelo meio ensiná-las a serem responsáveis, a cuidarem dos filhos e de si próprias.

As crianças, com média de idades de cerca de dois anos, vivem alheias aos problemas das mães e acolhem com sorrisos tímidos, que aos poucos se vão alargando e transformando em tagarelice, quem visita por bem a instituição. Nesta casa, pintada com cores alegres e decorada com muitas ofertas de amigos, existe uma rotina a cumprir, com supervisão 24 horas por dia por parte das monitoras, e regras e horários bem definidos: há que cuidar das crianças, deixá-las na creche e ir trabalhar, e no regresso ir buscá-las, fazer o jantar e alimentá-las, dar-lhes banho e pô-las na cama cedo, só então as mães se juntam à mesa. As tarefas da casa são divididas entre todas, e às vezes as discussões são inevitáveis. Como em qualquer família. Cada um dos pequenos agregados familiares tem o seu quarto com casa de banho privada e, na última fase antes da saída, faz a sua rotina de refeições no piso de cima, para se habituar a uma total autonomia.

Célia Carvalho acompanhou de perto e orientou cada um dos casos que, ao longo dos anos, passaram pela Mum’s & Kids, geralmente encaminhados pelo tribunal ou pela Segurança Social. Há quem chegue contrariado e sem empenho em colaborar, e há quem encare esta passagem pela instituição como uma oportunidade para um futuro melhor. Cada jovem é avaliada com rigor e encaminhada com persistência e exigência, até porque está em causa o bem-estar de crianças. E, infelizmente, nem sempre estas mães têm vocação para o ser.

Um dos casos que mais marcaram a diretora técnica foi o de Joana (nome fictício) e da sua filha menor. Foi sinalizada à Mum’s & Kids pelos serviços sociais da sua área de residência, não tinha qualquer suporte familiar, estava desempregada e sem meios de subsistência. Já na instituição, foi-lhe diagnosticada uma perturbação esquizo-paranoide, e foram muitos os episódios em que direcionava a agressividade para as outras residentes e para as funcionárias da instituição. A Joana teve de sair da Mum’s & Kids porque a Comissão de Proteção de Crianças e Jovens em Risco (CPCJ) alterou as medidas de promoção e proteção da criança: sabem apenas que foi acolhida temporariamente em instituição, até a mãe demonstrar ser competente perante a CPCJ, e a partir daí Célia deixou de poder acompanhar o caso.

Alguns reveses, e muitos sucessos

Mas são sucessos que servem de estímulo para continuar. Um dos mais inspiradores foi o de Marta (nome fictício), admitida com o filho, de seis meses, na Mum’s & Kids. Tinha um percurso de toxicodependência, estava já em programa de metadona, e inicialmente tinha grande resistência à mudança. No entanto, com o passar do tempo, foi-se mostrando cada vez mais permeável à intervenção da equipa técnica – que inclui também um psicólogo – e fez um percurso admirável. Saiu da instituição com o filho, na altura já com três anos e foi viver com o então companheiro. No entanto, esta relação terminou passado algum tempo. A Marta saiu de casa do companheiro mas conseguiu reorganizar a vida novamente: trabalhava, arrendou outra casa e conseguiu fazer o ‘desmame’ total da metadona. Hoje, visita a Mum’s & Kids regularmente e refere-se à equipa como a sua única família. Teve mais um filho da atual relação, e o mais velho, agora com 13 anos e que esteve na instituição entre os seis meses e os três anos, diz que a casa ainda tem o mesmo cheiro. Célia reconhece, com inegável satisfação, que “este agregado ficou com uma ligação muito forte às pessoas que cá trabalham” e que a ajudaram num momento da vida em que ela se via sem saída. “São situações como esta que nos dão força para continuar e ultrapassar todas as dificuldades.”

A próxima jovem a sair da Mum’s & Kids é a Fátima (nome fictício). Tem 25 anos e uma filha de quatro anos, de ar tímido e grandes olhos expressivos. Fátima foi vítima de violência doméstica e passou por uma casa-abrigo antes de ser encaminhada para a Mum’s & Kids. Célia considera-a uma jovem resiliente, lutadora e com objetivos definidos. Neste momento, já tem emprego com contrato, creche para a filha e uma habitação em regime de arrendamento, que a instituição está a ajudar a equipar. É mais uma vida que se transforma, mais um futuro que de desenha sorridente. “É indescritível a sensação de conseguir, com o nosso trabalho em equipa, atingir a meta da autonomização. É euforia, sucesso, uma sensação muito grande de satisfação, de que contribuímos para uma mudança de vida.”

Célia Carvalho é a supervisora destas vidas, o ‘polícia mau’ quando tem de ser, em nome de um bem maior, e não se imagina sem este ‘peso’ adicional que decidiu ter na sua vida. Um peso bom, que já começa a contagiar as duas filhas, de oito e dez anos. Também elas têm acompanhado, ao longo dos anos, os novos rumos que se encontram naquele pacato prédio no centro de Lisboa, fruto da vocação inabalável da mãe, e não se importam de a partilhar com quem também dela precisa.

 

Quer ajudar a Mum’s & Kids?

Pode contactar a instituição e fazer um donativo ou oferecer brinquedos para as crianças, bens alimentares e de limpeza, ou ainda equipamentos para a casa da jovem que em breve vai iniciar uma vida autónoma. Pode entregá-los na instituição ou na caminhada solidária que o Clube Natura vai organizar no dia 2 de setembro, pelas 9h30, com ponto de encontro na praia do Magoito, em Sintra, e um percurso circular de 12 km. Mais informação em www.clubenatura.net.

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