Se não gosta de perder uma boa oportunidade para ficar calado, continue a ler…
As buzinas no trânsito, os toques do telemóvel, o stereo da televisão, a música dos fones, as conversas de café, os murmurinhos e até os nossos próprios ecos. Mas alguém consegue hoje em dia permanecer, por minutos que seja, em silêncio?
Florence Nightingale, enfermeira e ativista social britânica do século XIX, disse que “o ruído desnecessário é a mais cruel ausência de cuidados que pode ser infligida a uma pessoa doente ou saudável”. Florence considerava que o barulho desnecessário poderia causar angústia, perda de sono e até medo nos doentes em recuperação. E estava certa. Em 2011, a Organização Mundial de Saúde apelidou a poluição sonora de praga moderna, concluindo que a exposição ao ruído permanente tem efeitos adversos na nossa saúde.
Mais: a nossa existência está de tal forma imersa numa bolha de ruído permanente ao ponto de o silêncio se tornar incómodo ou mesmo insuportável. Quantas vezes já tivemos a necessidade de preencher o silêncio durante uma conversa, constrangidos com a ausência de diálogo? Ou a experiência de chegar a casa e ligar o rádio ou a televisão só para ‘fazer companhia’?
A psicóloga Filipa Jardim da Silva justifica explicando que o medo e o desconforto associados ao silêncio são essencialmente comportamentos aprendidos. “Ao longo do nosso desenvolvimento, em ambientes permanentemente ruidosos, começamos a associar silêncio a vazio, e somos ensinados de que estar em silêncio numa interação social é sinónimo de pouca empatia ou de falta de competências sociais”, refere.
Falta-nos então virar o disco e aprender que fazer “shiu” tem na verdade muitos benefícios.
Bye, stress
Sente-se frequentemente tenso e stressado? “Diversa evidência tem demonstrado que a poluição sonora está correlacionada de forma positiva com um aumento da tensão arterial e uma ativação superior da amígdala no nosso cérebro, causando segregação de cortisol (a ‘hormona do stress’)”, esclarece Filipa Jardim da Silva.
É o caso da pesquisa do psicólogo ambiental Craig Zimring, que defende que o silêncio é capaz de aliviar o stress e a tensão, podendo ser um aliado para quem necessita de relaxar e se quer render à prática de meditação, por exemplo.
A quietude é de tal modo extraordinária para a saúde do coração que basta uma pausa de dois minutos para reduzir a tensão arterial e regularizar o batimento cardíaco, dois dos fatores de risco das doenças cardiovasculares. Até a circulação sanguínea regista melhorias.
Esta é a conclusão de um estudo publicado no jornal Heart, que garante que o efeito do silêncio é ainda mais eficaz do que a música relaxante. De facto, algumas notas musicais conseguem regular o batimento cardíaco, mas não têm um impacto significativo na tensão arterial e na respiração. Já o silêncio parece melhorar todos estes aspetos.
Memória reforçada
O silêncio pode literalmente fazer o cérebro crescer. “Em 2013, um estudo publicado [na revista Brain Structure and Function] destacou que duas horas diárias de silêncio levavam ao desenvolvimento de novas células no hipocampo, uma região cerebral importante associada à aprendizagem, à memória e à regulação emocional”, indica Filipa Jardim da Silva.
Antes disso, já em 2011 uma investigação divulgada na publicação Proceedings of the National Academy of Sciences revelava que um passeio de 40 minutos três vezes por semana contribui para o crescimento de novas células no hipocampo, fortalecendo-o. Ao que parece, a proximidade com a natureza ajuda o cérebro a focar-se e a consolidar melhor a memória.
Embora preliminares, os resultados do estudo sugerem ainda que o silêncio pode ser terapêutico para doenças como a depressão e a doença de Alzheimer, ambas associadas a taxas reduzidas de regeneração de neurónios no hipocampo.
Boa noite!
Passar alguns minutos por dia em silêncio também pode melhorar a qualidade do sono, sobretudo se tiver problemas de insónias. Em 2015, uma pesquisa divulgada no jornal médico JAMA Internal Medicine descobriu que adultos com dificuldades em dormir apresentaram menos insónias, fadiga e depressão depois de terem praticado mindfulness (em português, atenção plena).
Esta é uma forma de meditação através da qual se treina a mente para uma vida mais feliz, consciente e presente no agora, aumentando o relaxamento e a sensação de bem-estar. De acordo com a psicóloga, “reservarmos diariamente uns minutos para estarmos em silêncio, num modo de atenção plena no momento presente, com respeito e aceitação face ao que estamos a sentir, tende a gerar um estado de maior relaxamento e equilíbrio no nosso corpo, com diminuição dos níveis de cortisol, regulação da tensão arterial e otimização dos níveis de circulação de oxigénio, o que, consequentemente, tende a fortalecer o nosso sistema imunitário e a potenciar um funcionamento ótimo dos vários sistemas fisiológicos”.
Olá, ‘eu’ interior
A ausência de ruído também pode ser uma forma de aumentar os nossos recursos mentais. As incessantes demandas por atenção no dia a dia têm um impacto significativo no córtex pré-frontal, a parte da nossa massa cinzenta que intervém na tomada de decisões complexas e na resolução de problemas.
É por essa razão que, quando estamos rodeados de barulho, a nossa capacidade de atenção tende a esgotar-se com mais facilidade, deixando-nos distraídos, com fadiga mental e até com dificuldades de concentração e de ter novas ideias. No entanto, ao dar descanso ao córtex pré-frontal, o silêncio vai permitir-lhe um maior foco quando a sua atenção voltar a ser exigida.
Além disso, momentos de meditação ou em que sonhamos acordados, por exemplo, ajudam a estimular as funções do cérebro que nos permitem pensar nas nossas experiências de vida, “o que se revela essencial para dar um significado mais completo às nossas vivências, para nos sentirmos mais próximos dos outros, acedermos a uma maior capacidade criativa e potenciarmos um maior bem-estar emocional e mental”, sublinha Filipa Jardim da Silva.
Silêncio! Com exceção para as emoções
Reprimir e silenciar aquilo que sentimos pode afetar a nossa saúde na medida em que vamos acumulando um conjunto de emoções que − através de um processo chamado somatização − se manifestam mediante sintomas físicos (como náuseas, vómitos, dores de cabeça e, em alguns casos, até doenças específicas) para os quais não se encontra uma causa de ordem fisiológica. De acordo com a psicóloga, estas manifestações somáticas de desconforto e mal-estar afetam os vários sistemas fisiológicos do organismo, a nossa capacidade de concentração e memorização, o nosso humor e a qualidade do nosso sono, pelo que “é importante aprendermos a queixar-nos de forma produtiva e a pedirmos ajuda, pelo bem da nossa saúde física e psicológica”.
Concluindo, de vez em quando… diga (e faça) shiu!