A minha estreia a representar o papel de vilã... Com o mauzão da fita, o Barão do Cartel em Narcos. Pêpê Rapazote, um talento!

Qual mau da fita?

Se não conseguir acompanhar a vasta oferta da Netflix, fique-se por Narcos. Se perdeu a primeira e a segunda temporadas, comece pela terceira. E nem precisa de ver o trailer todo para me dar razão. Veja só os dois minutos do tiroteio na barbearia, com Pêpê Rapazote em grande. Eu já vi a cena… (umas tantas vezes). E como diria o ator português, no seu exímio sotaque colombiano, “aconsejo que hagan lo mismo”.

Qual mau da fita! Pêpê está entre os melhores desta série.

Fotos: Gonçalo Claro
Styling: Tiago Baptista
Look Júlia Pinheiro e Pêpê Rapazote
A Fábrica dos Chapéus
Rua da Rosa 118. Lisboa
www.afabricadoschapeus.com

 

“(Yo) he tenido que aceptar algunas cosas que no me gustan. Así os aconsejo que hagan lo mismo.” Chepe Santacruz Londoño (Pêpê Rapazote), in Narcos, 3.ª temporada, Cena do Tiroteio na Barbearia

 

Não lhe falta vivência internacional. Em memória curta, é fácil recordarmo-nos dos seus papéis em Rainha das Flores, A Única Mulher ou Pai à Força, por exemplo. Mas no seu currículo também constam trabalhos realizados em Espanha, Itália, França e Estados Unidos. Habituou-se a viver fora do seu país desde cedo, o que lhe deu uma vantajosa elasticidade linguística. Entre os 9 e os 11 anos, por questões profissionais do pai, engenheiro civil, viveu com a família na Venezuela. Na altura, não imaginava que esta estadia, em que aprendeu a falar espanhol, o ajudaria a abrir-lhe as portas para Narcos. E, na verdade, a personagem Chepe Santacruz Londoño, um dos quatro barões do Cartel de Cali e interpretado em Narcos por Pêpê Rapazote, representa, na perfeição, um espanhol com sotaque colombiano. Mas não só: Pêpê teve de estudar muito mais sobre este padrinho do Cartel de Cali − aquela que foi a organização de tráfico de cocaína mais lucrativa de sempre. Um vilão violento, mulherengo, bon vivant de sonora gargalhada que dispara a matar e produz ‘coca’ em Nova Iorque é o papel desafiante que Pêpê Rapazote tinha à sua espera nos Estados Unidos − e na Colômbia, onde decorrem as filmagens de Narcos.

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Pêpê Rapazote conta-me como foi chegar até chegar a Narcos. Um percurso só para… duros!

“Gosto de interpretar vilões. Normalmente os maus da fita são mais coloridos”, confessa-me Pêpê Rapazote quando regresso à popular cena do tiroteio na barbearia, na série. “Mal li a cena, apercebi-me de que era emblemática. A vantagem desta cena é saber que vou sair por cima. Isso permite-me aquela postura, aquele olhar irónico… Gosto de representar os maus da fita. Gosto de representar os antagonistas de mim. Eu considero-me um bom rapaz.”

Caso houvesse dúvidas, ficariam esclarecidas nas próximas linhas. Pergunto-lhe assim até que ponto o “bom rapaz” foi influenciado pela educação de direita que recebeu − a mãe era descendente direta de Manuel Cavaleiro de Ferreira, ministro da Justiça de Salazar, e de António Manuel Rapazote, ministro do Interior e responsável pela PIDE, no tempo da ditadura. Pêpê Rapazote dispara certeiro: “Não sei o que é uma educação de direita. Eu cresci com o Zeca e o Sérgio Godinho.” Pêpê recorda que “havia uma liberdade muito grande na família, mesmo antes do 25 de Abril”, e explica o que entende pela sua educação conservadora. “Eu sou católico. Defendo que Deus nos deu o dom da vida. Mas que, a partir daí, há muitas obrigações antes de termos o direito. Entendo que devemos deixar um saldo positivo nesta vida, moral e espiritual acima de tudo. Temos que ser mais altruístas que egoístas. Eu estou aqui para servir o próximo, antes de mais. A minha educação é conservadora, ou seja, com os bons velhos princípios e valores. Fazer o bem, sermos justos, trabalhadores. É neste sentido que vem a minha educação conservadora. É a herança que tenho da minha educação. Que poderia ser de direita ou de esquerda.”

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Pêpê Rapazote, o homem que odeia redes sociais

A propósito de trabalho, intenso, Pêpê conta-me os longos meses de burocracia – “muitas horas de sapa” − que estão por detrás do seu sucesso nos Estados Unidos. É um dossiê de dificuldades (superadas) e de experiências profissionais fora da zona de conforto: “Uma das diferenças está na forma como o ator se deve apresentar no set/palco nos Estados Unidos, que é ir em bicos de pés. ‘Eu estou aqui e sou o maior’. Há uma expressão que retrata esta situação: ‘It’s all about who have a bigger dick’ [tradução de: é tudo uma questão de quem tem uma pila maior].”

A sua capacidade de trabalho não terá nascido de um dia para o outro. O que me remete para uma história, a da professora Etelvina, que eu já tinha lido numa entrevista que Pêpê deu ao jornal Expresso. O ator confirma-me os detalhes: ele tinha 12 anos quando a professora de Português revelou ter-lhe dado a melhor nota de sempre em toda a sua carreira, que já ia com alguns anos. O texto, segundo me recorda, era sobre o bulício da cidade ao entardecer, e Pêpê debruçou-se uma semana inteira sobre o assunto. “Na altura não falei do IC19…”, refere, com o seu sentido de humor sempre pronto.

E também não terá falado do bulício das redes sociais. O último tema desta nossa conversa, porque acaba em tiroteio. “Eu odeio as redes sociais. Expõem o mau que há em nós. As pessoas nas redes sociais sentem-se protegidas pelo ecrã, e são tão odiosas, tão cheias de fel. Sou muito ‘anti redes sociais’ e há esta cultura cá em casa: a Júlia, a minha filha de 13 anos, também não liga praticamente às redes sociais.

Eu assisto ao fogo cruzado, ao autêntico lavar de roupa suja em público. É de uma imoralidade. Uma desilusão. Pessoas que achávamos que conhecíamos e que afinal não conhecemos. De repente, pusemos-lhes ferramentas nas mãos e elas libertaram todo o seu potencial maléfico.”

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Hasta Luego Caballero!

Baixamos as armas. Vamos à sessão fotográfica. O momento em que abandono o “bom rapaz” e contraceno com o vilão. Uma experiência!

Hasta luego, Caballero!

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