“Órfão em adulto: os adultos não sabem lidar com esta perda”

Estamos acostumados a ouvir falar do “ciclo natural da vida” e convivemos com a realidade de que todos partimos um dia. O que não significa que estejamos preparados para tal. É disso que nos fala hoje Marta Aragão Pinto, sobre ser órfão em adulto.

Faz precisamente hoje 12 anos que a apresentadora ficou sem o pai. Dois anos antes, tinha perdido a mãe com 49 anos. E, algures na anestesia da dor, decidiu escrever um livro que não é sobre o sofrimento de perder os pais. “No céu a olhar por mim” nasceu com um sentido de missão em ajudar os outros, dizendo-lhes que não estão sozinhos na dor. Marta escreveu um hino de amor a todos os pais. E é sobre isso que falamos hoje.  

  “Quero continuar a ajudar as pessoas neste sentido. É quase como um sentido de missão e um hino de amor a todos os pais.” Marta Aragão Pinto

 

Um dia, chega a vez dos nossos pais. E a dor bate tão forte que chegamos a questionar sobre o momento em que nos sentiremos mais serenados. Daqui a 5 anos, 10? Passaram 12 anos da morte de José Aragão Pinto, um homem com obra feita no Sporting e a âncora para Marta. “A dor está lá sempre. Passem os anos que passarem. A realidade é esta, a dor não passa com o tempo. A perda, a falta, as saudades, os porquês, está tudo cá. A morte é isso. É uma perda para sempre e uma dor para sempre”, confessa Marta.

Dois anos antes de perder o pai, Marta tinha ficado sem a mãe. “Ainda estava anestesiada com a morte da minha mãe, ainda estava a perceber o que me tinha acontecido e precisava tanto da força do meu Pai… Mas a força do amor é assim mesmo e eles não conseguiam viver um sem o outro”, explica Marta.

A mãe, na altura com 49 anos, enfrentava um quarto tumor. E apesar de a doença ter afetado o útero, os intestinos, os pulmões e cérebro, Marta recorda que em momento algum pensou o pior. “Em nenhum momento pensei que a perderia. Em nenhum momento tive acesso a toda a informação para me preparar. Em nenhum momento perdi a esperança. Eu tinha acabado de ter a minha segunda filha, a sua segunda neta. Tínhamos tanto para viver, tanto para partilhar. Eu precisava tanto dela, as minhas filhas precisavam tanto dela, o meu irmão…”.

 

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A minha mãe era a minha verdade

A minha mãe era a minha verdade

Marta conta que tinha uma relação especial com a mãe: “A minha mãe era a minha melhor amiga. Era a minha verdade. A pessoa em quem eu sempre confiei para tudo, a pessoa cuja opinião era a mais importante. Mesmo em plena adolescência preferia contar as coisas à minha mãe do que às minhas amigas e raramente trocava a companhia dela por qualquer amiga. Sempre senti que podia contar com ela para tudo. A minha mãe só me queria ver feliz. As nossas conversas eram intermináveis, tínhamos sempre tanto para contar uma à outra, para partilhar…”

“Órfão em adulto: os adultos não sabem lidar com esta perda” mae

 

Um dos títulos do livro escrito por Marta é: ”Como é que lhe digo adeus, mãe?”. Alguém sabe? “Não se diz. Eu tentei fazer uma despedida no enterro. Mas nem consegui ver o caixão a ser enterrado. Parei antes, encostei-me a um muro e não segui mais. Quando o caixão deixou de fazer parte do meu campo de visão disse baixinho : “Bye bye Mummy” (eu falava inglês com a minha mãe). Senti-me completamente sem forças e enquanto as lágrimas me caiam respirei fundo e soube que não lhe ia conseguir dizer adeus nem ali nem nunca”, recorda Marta.

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Marta Aragão Pinto, com os pais e o irmão

A menina do papá

“Sempre me senti a menina do papá. O meu Pai dava a volta ao Mundo sempre que eu precisava de algo. Fui muito mimada pelo meu Pai. Ele era o meu porto seguro e eu sei que também era o porto seguro dele. Tínhamos uma cumplicidade única e eu tinha tanto orgulho nele e ele em mim. Éramos os maiores fãs um do outro.”

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A menina do papá

Marta perdeu os seus portos seguros. Mas não hesita quando diz que “eles estão a olhar por mim. Nunca tive dúvidas sobre isso. Acredito no céu e acredito que todos os meus anjinhos que já foram embora estão lá em cima juntos e que um dia irei juntar-me a eles e voltar a vê-los. Falo várias vezes com eles e tenho a certeza que olham por mim, me orientam, me apoiam e nunca me deixam sozinha.”

Marta sente que os pais ainda a acompanham no seu dia a dia. E é esta “presença” que procura passar às suas filhas, quando lhes fala nos avós: “quero que elas os sintam, quero que elas contem com eles, mesmo sem eles estarem cá. Quero passar-lhes memórias, tradições que sei que eles passariam se cá estivessem. É uma dor muito grande vê-las a crescer sem terem os avós maternos por perto. Os meus avós foram tão importantes para o meu crescimento e sei o quanto elas seriam orgulhosas dos meus pais enquanto avós.”

Para Marta, os seus pais são uma presença constante e continuam a influenciar cada passo em família: “os meus Pais celebravam a vida todos os dias. Tal e qual como eu faço. Aproveitavam a vida, não tinham medo de rir ou chorar, para viver era intensamente. As datas especiais e as tradições todas se cumpriam. Eu faço exatamente a mesma coisa e as minhas filhas já o fazem mesmo sem eu ter de relembrar, já são elas que me chamam a atenção porque hoje é dia de fazer isto ou aquilo. Eles estão vivos cada vez que cumprimos tradições ou celebramos datas especiais e sei que estão connosco e que estão felizes. Muito felizes.”

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Os meus Pais celebravam a vida todos os dias. Tal e qual como eu faço.

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Marta Aragão Pinto com o marido, Filipe Terruta, e as 3 filhas

Tenho a obrigação… de aproveitar a vida ao máximo. Por eles. Porque sei que eles continuam na fila da frente a aplaudirem. A diferença é que não os vejo, só os sinto.

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Os meus Pais… eram tudo para mim. Aquilo que sou hoje devo-lhes a eles. Podia escrever mil páginas ou mil livros e nunca seria suficiente para descrever o que representavam para mim.

 

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Memórias felizes… Tenho várias. Todos os dias, todas as horas qualquer coisa me faz lembrar deles. Mas quando estou em São Martinho sinto que estão ali ao meu lado sempre. As memórias estão em cada passo que dou, em cada caminho, em cada local. Aquela é a terra que os viu crescer, que os apresentou, que testemunhou o seu amor, que me viu crescer a mim e que atualmente vê crescer as minhas filhas. O sentimento que elas ganharam por esta terra é inexplicável. Sei que os meus pais lhes dão colo sempre, mas em São Martinho elas sentem uma proteção, uma energia, uma bolha que as envolve. São os meus Pais.

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Sei que os meus pais lhes dão colo sempre, mas em São Martinho elas sentem uma protecção, uma energia, uma bolha que as envolve. São os meus Pais.

 

No Céu a Olhar por Mim, um livro de Marta Aragão Pinto, Esfera dos Livros

Fotos: Direitos Reservados

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