“Ela é a minha história de amor”, Maria do Céu, 53 anos

Um dia, magoada e desiludida com a espécie humana, Maria do Céu saiu de casa com destino ao Canil de Oeiras, na esperança de recuperar as alegrias de uma infância, outrora preenchida pelo afeto dos seus companheiros de quatro patas. Entregaram-lhe a Rosinha – e sem imaginar na altura, agarrou nos braços a oportunidade de viver a história de amizade e de amor que nunca tinha experienciado antes.

“Quero adotar um cão, não me interessa a raça, a idade ou o estado de saúde”, disse Maria do Céu Neves, quando há 15 anos se deslocou ao Canil de Oeiras e lhe entregaram a Rosinha, uma cadela bebé, faminta, gelada e cuja respiração era comprometedora.

Rosinha tinha uma história triste para contar: havia sido descoberta num buraco de terra juntamente com uma ninhada que alguém quis enterrar. Rosinha era uma sobrevivente, mas provavelmente, por pouco tempo, estimaram os responsáveis do canil, permitindo excecionalmente que Maria do Céu levasse consigo a cadelinha sem cumprir no imediato os procedimentos obrigatórios. Dê-lhe um banho e cuide dela, é a prioridade; venha depois tratar da adoção oficial, disseram-lhe.

“E ela veio. Tinha o tamanho da minha mão. Amei-a.”

E a Rosinha voltou a respirar e a confirmar a esperança de Maria do Céu em recuperar as alegrias da sua infância, marcada pela presença feliz dos animais de estimação a correrem no quintal.

Rosinha chegou na altura certa. Há 15 anos, Maria do Céu descobriu que o seu pai tinha falecido. Fazia anos que Maria do Céu lhe tinha perdido o rasto, na sequência da separação da sua mãe. Maria do Céu nunca desistiu de procurá-lo. Um dia, comentou com uma amiga uma ideia sobre a qual nem sequer tinha pensado muito: “o meu pai morreu”. O espanto e o desespero surgiu com a pergunta da amiga: “a tua mãe já te contou?”.

Maria do Céu sentiu-se destruída e só acreditou no facto quando teve a certidão de óbito do pai nas suas mãos. O pai tinha morrido há 8 anos e Maria do Céu não tinha podido ir ao funeral. Porque nunca ninguém lhe contou acerca da sua morte.

Maria do Céu sentiu-se traída. E afastou-se da mãe, com a mágoa de infância ainda mais vincada. Maria do Céu é filha de mãe incógnita, é assim que consta no seu bilhete de identidade, embora sempre soubesse quem era a sua mãe. Quando nasceu, conta, a mãe era casada com outro homem, o que proporcionou esta situação no bilhete de identidade.

Mais tarde, a mãe teve a oportunidade de corrigir, mas tal nunca aconteceu. Maria do Céu nunca a perdoou. Não era fácil explicar na escola o facto de “mãe incógnita”. E o assunto não melhorou com o tempo:

“quando fui casar, o senhor do registo ficou muito admirado e até disse que não sabia se poderia marcar o casamento. Eu recordo-me de sair porta fora e dizer que já não casava mais. O senhor veio a correr atrás de mim, explicando-me que tinha ficado sem saber como lidar com uma situação tão pouco frequente. O meu namorado, de quem me divorciei entretanto, estava branco, recordo-me”.

A Rosinha veio mudar o paradigma da desilusão. E voltou a aproximar Maria do Céu da sua mãe: “consegui perdoá-la. A minha mãe ficou doente, cega. E foi a avó da Rosinha”.

Fiz-lhe um enxoval de um bebé; os meus amigos fizeram -lhe roupinhas (gente da publicidade tem muito jeito) e ela cresceu. Foi a minha amiga, a minha ouvinte, o meu comprimido para dormir. O ombro onde chorei as minhas tristezas e o meu par nas minhas alegrias.

Dia 30 de Dezembro morreu nos meus braços ao fim de quinze maravilhosos anos.”

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