“Não me recordo da última vez que deixei de fazer algo por não ter uma perna”, Nuno Santos

“Vida Acrescentada”, a corajosa biografia de Nuno Santos, a quem foi diagnosticado, aos 16 anos, um cancro ósseo com 3% a 5% de possibilidade de sobrevivência, foi lançada ontem, na Fnac Almada.

Após tratamentos muito dolorosos, a superação da doença e a difícil decisão de amputar a perna, Nuno Santos “contrariou as probabilidades” e está vivo.

 

Conta-nos a sua história, lado a lado com as suas duas companheiras desta viagem. Raquel Santos é psicóloga, autora da biografia do irmão. Conta para não esquecer. A Mãe, Ana Ganhão, a mulher a quem ambos dedicam o livro de uma forma que resume o seu papel neste cenário: à nossa mãe, pela fé e coragem inabaláveis”.   

 

Nuno, à saída do hospital, depois de receberes o diagnóstico (conta a tua irmã no livro), agarraste no braço da tua mãe, esboçaste um sorriso e disseste: “A partir de hoje e em todos os outros dias, promete-me que sempre que entrarmos por esta porta, o faremos com um sorriso”. Nuno, honraram sempre esta promessa? 

A regra foi claramente quebrada por justa causa. Esse sorriso foi trocado uma ou duas vezes por um “engolir em seco” ou uma apatia com expetativas perante o que se ia passar nesse dia.
No entanto, além de não ter sido a norma, sempre que sorríamos era a honrar a promessa. Já passados os portões, à mínima oportunidade de sorrir, assim o fazíamos. Fosse por iniciativa ou por resposta.

Foi uma prova sólida de que quantidade não é qualidade, uma vez que os momentos menos bons eram mais do que os bons, no entanto os sorrisos tinham tanta qualidade que, mesmo em minoria, superavam os momentos mais desafiantes.

“Hoje gostava de ser tu”, é uma frase que a tua irmã diz muitas vezes, querendo dizer que preferia ser ela a sofrer as tuas dores. Qual o impacto de ter tido uma irmã a teu lado neste processo?

Por picardia de irmão, acho graça à afirmação, dizendo-lhe que ela não aguentava e que é uma picuinhas. No entanto, ela enquanto mulher e ela própria, é mais forte que qualquer homem.

É-me dito com frequência por pessoas que me abordam que não teriam a força que tive e a coragem para decidir o que implementei. Eu acredito que, no cenário certo, com a motivação do mesmo, enquanto animais de sobrevivência, somos capazes de decidir tudo o que é certo para nós.

Já alucinei essa hipótese uma ou duas vezes e fico atrapalhado internamente, ainda bem que não passe do hipotético!

Eu sou muito forte, sei disso. Mas elas são a minha fraqueza, não sei como lidaria com uma delas a passar pelo que eu passei, sofrer e viver o que eu vivi.

Ainda bem que foi comigo e, se tivesse que escolher, iria ser egoísta com o meu sofrimento!

A minha entrevista ao Nuno Santos, em Júlia, na SIC. Para ver aqui:

https://sic.pt/Programas/julia/videos/2019-04-05-Nuno-Santos-decidiu-amputar-a-perna-Vi-finalmente-a-luz-ao-fim-do-tunel-ao-fim-de-quatro-anos

 

Na tua primeira consulta de autotransplante, em que já levavas o assunto muito estudado, o médico criou logo uma empata contigo. No livro, a tua irmã conta que ele disse: “Sabes, tu irritas-me. Primeiro, porque queres tirar-me o lugar, parece que já sabes tanto como eu. Depois porque és teimoso. Conseguiste contrariar as probabilidades.”

Quais eram as probabilidades – tinhas essa consciência? E qual a importância dos médicos neste processo – para uma criança com cancro.

Considero a minha teimosia uma qualidade, as minhas convicções sao muito fortes e têm o seu papel na minha história, seguindo-as. Das duas uma, ou aprendo uma lição que tinha mesmo que aprender para meu bem ou conquisto algo grandioso à primeira! Ou as duas sequencialmente.

No autotransplante é comum não se resistir ao processo – lembro-me de assinar um documento de responsabilidade em como tomava conhecimento e aceitava os termos possíveis.

O que tinha a perder? A vida!  O que tinha a ganhar? A vida!

Ambas poéticas e trágicas. Só tinha uma opção, seguir em frente e confiar que ia dar tudo certo. Com a noção de que cada gesto, cada acção tinha de ser consciente e bem decidida antes de feita. Do mais básico ao mais complexo. Tinha de gerir bem as emoções, a minha energia e o tempo, visando ter o melhor resultado possível. Morrer estava fora de questão.

Os médicos são fundamentais, acho que se trabalha pouco a parte humana dos mesmos, tornam-se muito mecânicos e em piloto automático.

Claro que eu já desformatado e informado, abanava a estrutura das consultas e obrigava-os a responder ao que queria. Aqui foi útil ser “um teimoso de primeira apanha”.

Entendo que não seja fácil, ainda para mais quando as condições de trabalho nem sempre são as ideais. Mas estou grato aos médicos que se cruzaram no meu caminho, todos me ensinaram algo. Conheci pessoas maravilhosas que contribuíram para o que sou hoje, enquanto homem e humano.

 

Espreite aqui o canal Youtube do Nuno Santos, onde partilha a sua história e as suas aventuras que chegam a mais de 100 mil seguidores nas redes sociais.

Agora, o papel da mãe. “Prepare-se para o pior, o estádio do cancro do Nuno não é tratável” – foram as palavras da médica. “Mãe coragem é pegar nos 3% de sobrevivência que dão a um filho, inventar novas fórmulas estatísticas e converter os resultados em 100% de certezas”.

Que conselho darias às mães que têm que viver uma notícia de cancro de um filho?

Que não estão sozinhas, há mais gente a passar por isto ou que tenha passado pelo mesmo. Apenas nos tornamos bons a apagar o passado menos positivo, o que dá a ilusão de que ninguém nos entende ou possa estar a passar pelo mesmo. Procurem saber de mais casos, de contactos diretos, pessoas reais. Seja pela internet, redes sociais, associações e até mesmo interagindo com as próprias pessoas do hospital.

Aconselho a virarem a internet de uma ponta à outra, focadas na solução.

Pesquisando sobre: Como posso salvar o meu filho? Como posso fazê-lo salvar-se? Como posso manter o equilíbrio enquanto mãe? Como ser feliz?

O que mudar na nossa alimentação? O que mudar nas rotinas? Que tratamentos alternativos fazer? Que emoções ou relacionamentos ter em conta e melhorar? E em caso de incertezas, experimentar e avaliar cada uma destas perguntas\respostas consoante os resultados obtidos às mesmas.

E sempre, mas sempre, manter a mente positiva, de que vai correr tudo bem, mantendo um estado de recursos e soluções. Nunca presa no medo ou no problema, o que só atrapalha a resolução.

Há dias menos bons, garanto-vos, mas a fé tem de ser mais forte. Sem desculpas.

Fala-nos dos teus planos/projetos. E de que forma estás decidido a que a amputação de uma perna não interfira nos teus sonhos.

Eu considero-me o homem dos sete ofícios, primeiro porque sinto que é a minha natureza, experimentar muitas áreas, muitas coisas diferentes, sou um inexperiente em busca de experiência. Segundo, porque sinto que estive quase uma década parado no tempo e no próprio espaço. O que me leva a agir mais rapidamente também.

Prefiro falar quando alcanço o que planeio, mas posso dizer de uma forma abrangente uma ou duas coisas.

Uma delas é que quero mudar vidas, despertar potenciais e por consequência melhorar o nosso mundo. Seja sob a forma de livros, palestras, filmes. A outra é que quero ser (já vou sendo) muito feliz! Viajar pelo mundo, conhecer culturas, aprender mais sobre mim e a condição humana e de como tudo se conecta. Há muito poder nisso, quero ser esponja em mar salgado.

Dá-me mais gozo sentir o desafio de como o vou fazer, que passos vou dar para lá chegar. Não ter uma perna é cansativo, entristece-me por vezes, principalmente porque sou um sonhador acordado. Mas não me limita, não me recordo da última vez em que deixei de fazer algo por causa deste pormenor. É um trabalho contínuo desenhar a nossa mente para focar-se na solução e não no problema. Pois somos ensinados assim e é fácil procrastinar e nada fazer.

Procurar soluções dá trabalho, mas a mim, enquanto criativo e entusiasta, dá-me muito gozo!

 

 

Comentários

comentários