“Uma vez desafiei-a para um programa de televisão. ‘Sabe, a televisão é rapidez e eu gosto de falar devagarinho’, respondeu-me Agustina.

“Os homens que não têm o coração tão preenchido morrem dele, sem queixas e sem sofrimento. Mas não se pode dizer que viveram.”
in O Livro de Agustina, 2007 (Agustina Bessa-Luís)

É mais do que uma inspiração. Agustina é uma espécie de começo, meio e fim. A sua escrita é única, hábil, intricada. Desafia-nos a inteligência e a nossa capacidade de entrar no mundo em que ela própria entrou.

Desconcertam-me as suas qualidades de prosadora, excepcional no universo romanesco e que lhe valeu os mais valiosos prémios de literatura. Mas Agustina é, em si, igualmente desconcertante. Entrevistei-a duas vezes. Uma delas, na sua casa do Porto, para um documentário sobre grandes Mulheres. Agustina era a mulher mais simpática que podemos imaginar. Com uma generosidade extrema a sobressair no retrato de alguém que sabe tudo sobre tudo. Agustina também folheava revistas cor de rosa, também tinha uma palavra a dizer sobre moda. Gostava de roupa, opinava sobre sapatos. Naquela tarde, nos seus jardins tão românticos deitados sobre o Douro, naquela casa fora do tempo nos tempos de hoje, aguardava uma escritora enfiada nos seus livros e papéis, confesso. Mas encontrei uma mulher com um lado, deliciosamente brincalhão, amável, franco.

“O Porto não é um lugar, é um sentimento.”
Agustina Bessa-Luís

A sua biógrafa (Isabel Rio Novo), diz que Agustina é a escritora mais enigmática. Na minha memória, tenho presente esta escritora, hilariante e desconcertante na sua seriedade intelectual. Tenho-a muito presente. Ainda que a partir de hoje, mas só gramaticalmente, pertença ao passado.

“O meu ídolo era a gramática portuguesa, à qual faço constantes heresias.”
O Livro de Agustina (2007)

Agustina Bessa-Luís deixa-nos aos 96 anos, na sequência do seu estado de saúde e depois da partida do seu marido.  Eram um casal. Digamos que está certo. O universo alinhou-se.

 

 

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