“O tema da morte interessa-me e será dissecado no romance que estou neste momento a escrever e que pode, se outro se não meter pelo meio, ser o próximo”, Norberto Morais
O seu apetite pelas histórias nasceu nas tardes preguiçosas que passou com a avó, na vila de Marinhais, para onde foi ver após o divórcio dos pais. “A minha avó lia para mim, era a única forma de ela manter o seu ritual de leitura, que durava três horas após o almoço. “A avó lia em voz alta. Norberto Morais sonhava acordado. Inventava histórias. Mas não se imaginava passar o resto da vida a “desenhar” personagens. Veio para Lisboa estudar psicologia. Pensava vir a ser psicólogo. Talvez músico. Mas os romances atravessaram-se no caminho. E a crítica do seu primeiro livro, adaptado posteriormente para televisão, terá ajudado a definir-lhe a rota. Graças a isso, temos hoje nas bancas A Balada do Medo. Por Norberto Morais.
Norberto, para quem lhe pergunta: “então e o próximo livro?”. Já tem resposta, correto? O que pode esperar o leitor do seu próximo romance?
Correto. Chama-se A Balada do Medo e acabou de chegar ao mercado. O leitor pode esperar um romance ambientado nas mesmas latitudes tropicais dos romances anteriores. Um pouco mais de humor, por um lado; um pouco mais de desespero, por outro. O mote de partida é a história de um caixeiro-viajante que leva uma vida múltipla, com identidades múltiplas, e que um dia, ao regressar de viagem, é confrontado com o anúncio da sua morte. Toda a parte do estereótipo que dá origem à narrativa desaparece de repente para dar lugar a uma luta desesperada pela sobrevivência que levará o leitor, pelo menos assim espero, numa viagem entre a imaginação e as emoções mais primitivas do ser humano.
Podemos dizer que A Balada do Medo é também uma reflexão sobre a morte? Queria escrever sobre esse tema?
Não é uma reflexão sobre a morte, mas sobre o medo; sobre a irracionalidade que nos domina em horas de desespero e aquilo que estamos dispostos a fazer ou a abdicar para lhe fugir. Sempre me intrigou a esperança que guia as vítimas até à beira do precipício, obedientes e em silêncio, mesmo quando em maior número que os seus algozes. E é esse pensamento mágico, esse jogo de luz e sombra entre medo e esperança que quis retratar nesta alegoria aos dias presentes, nos quais a verdade é uma aparência; uma circunstancialidade. Em relação ao tema da morte, interessa-me, de facto, e será dissecado no romance que estou neste momento a escrever e que pode, se outro se não meter pelo meio, ser o próximo.
Ao contrário do romance anterior, O Pecado de Porto Negro, este centra-se numa única personagem. O “psicólogo” Norberto Morais teve aqui uma intervenção mais forte? Em que mais se inspirou para criar a personagem Cornélio Santos Dias de Pentecostes?
Acho que não mais do que nos anteriores. Creio ser um livro um pouco mais maduro e, apesar da capa de humor, julgo-o mais denso e mais profundo. Joga-se nos pormenores. Muitos pormenores. Diria ser um livro que está tanto nas linhas quanto nas entrelinhas. E isso é aquilo que mais gozo me dá. Espero que ao leitor também. Afinal, o que mais me importa na narrativa é precisamente a análise da personalidade das personagens e sua construção. Quanto à inspiração, inspiro-me em nós. Em nós todos. Claro que a aparência da narrativa se reveste de uma certa caricatura, que corresponde ao estilo, mas por sob a máscara dos intervenientes, tal como no teatro clássico, estamos lá nós todos. O que me agrada enquanto autor é dar uma roupagem diferente ao quotidiano. É pegar naquilo que em nós é primordial, e reportá-lo para um cenário imaginário. Mesmo para o leitor creio ser mais interessante, ver-se, ou ver o mundo, sobre o palco da imaginação do que da realidade.
O primeiro autor que entrevistei em Júlia, De Bem com a Vida foi Norberto Morais. Também o autor do meu livro favorito dos últimos tempos. Esta conversa é sobre O Pecado de Porto Negro.