Terapia de casal obrigatória para quem quer o divórcio.
Antes, bastava assinarem um simples documento. Agora, de acordo com a nova legislação sobre o divórcio, os casais que pretendem separar-se têm que aguardar três meses e participar, obrigatoriamente, em sessões de terapia de casal. É a nova legislação do país que tem uma das taxas mais elevadas de divórcio da Europa Ocidental.
O processo que, para uns é visto como uma intromissão na esfera individual e conjugal, é para o governo dinamarquês uma forma de travar os custos humanos e financeiros que o divórcio acarreta. Por outro lado, o governo pretende que as sessões obrigatórias de terapia de casal para quem tem filhos menores de 18 anos, ajudem a tornar o processo da separação menos doloroso.
Este programa de aconselhamento já foi testado e dá resultado, garante Gert Martin Hald, psicólogo e professor de saúde pública da Universidade de Copenhaga, que integrou o grupo de desenvolvimento das sessões de terapia.
“Este programa consiste em compreender-nos a nós próprios, compreender as reacções dos filhos, é sobre lidar com o outro após o divórcio. Ajuda a lidar com o stress, ansiedade, depressão e a reduz o número de faltas no trabalho”, esclarece o especialista.
O divórcio e a nova legislação na Noruega é o ponto de partida para uma conversa com Sofia Arriaga, doutorada em psicologia clínica e com 20 anos de prática clínica: intervenção individual, familiar, de casal, do divórcio, psicodrama, terapias pela arte, counseling e life coaching.
Existem estudos que apontam um aumento da taxa de divórcio após um período de férias. De acordo com a sua experiência, concorda?
Faz sentido, sim! Por um lado, olhamos para as férias ou para o período pós-férias como o início de um novo ciclo, dado que a nossa vida e a dos nossos filhos é mais marcada pelo ano escolar do que pelo ano civil. Setembro é como se se tratasse, de facto, de uma nova fase, de um novo re-começo. Daí que apareçam nesta altura mais pedidos de divórcio e também, simultaneamente, mais pedidos de terapia de casal.
Há ainda uma outra questão a ter em conta. As férias, apesar de tão desejadas, acabam por ser uma altura de crise, em muito devida ao tempo que o casal passa junto, situação que normalmente não é habitual. Embora nos queixemos sempre que os empregos nos consomem, a verdade é que o trabalho é um escape para os problemas familiares, que ficam ali em standby durante muito tempo, ou seja, numa espécie de adormecimento, que as férias fazem despertar. O casal, tanto enquanto par conjugal, como enquanto par parental, não está, na maioria das vezes, habituado a gerir esse tempo, o que pode realçar as dificuldades comunicacionais e as dinâmicas empobrecidas em que vive como casal e como família.
Conheço casais, dentro e fora do âmbito terapêutico, que desabafam a sua contrariedade de não terem internet nas férias. Falta-lhes a hipótese de triangular com o que lhes é habitual: trabalho, televisão, telemóvel, etc., – e assim este tempo que deveria ser feliz, porque devia fortalecer laços é, por vezes, sentido como uma grande dor de cabeça. Há mais tempo livre e muitas vezes não sabemos o que fazer com o tempo que temos.
Na Dinamarca, segundo publicado recentemente, os casais que pretendem separar-se serão obrigados a esperar pelo menos três meses e a frequentarem terapias de casal. Isto faz-lhe sentido? Faria parte de uma equipa como esta?
Parece-me importante a intervenção antes do divórcio, mas o que eu gostava mesmo de integrar era uma equipa de prevenção e não de intervenção. Não temos por hábito trabalhar antes de o “mal estar feito” e ganharíamos muito com isso. Um processo de ajuda com jovens ou menos jovens que decidem casar, ou seja, um projeto pré-nupcial, não seria mais proveitoso e, aí sim, com menos gastos, a nível económico e menos perturbações a nível da saúde mental? Aprender a viver com alguém não é fácil e só se procura ajuda quando já é muito difícil alterar padrões comportamentais, quando o amor se desgastou, quando as formas de pensar rigidificaram. Esse projeto da Dinamarca parece-me mais uma espécie de terapia do divórcio ou mediação familiar, para que haja mais divórcios por mútuo consentimento, para que o casal se consiga separar o mais amigavelmente possível e de forma mais resiliente, o que também é fundamental.
Quais as grandes mais-valias da terapia – o que fazemos na terapia que não conseguimos fazer, em casal, em casa?
Na terapia há alguém a mediar, há alguém que tem um olhar mais neutro, menos enviesado e sobrecarregado sobre as vivências do casal. É como se fosse sangue fresco. Esse alguém vê de fora e consegue, por isso, ter uma visão mais sistémica das dificuldades e potencialidades do casal. Para além disso, se casal é o perito na sua vida, o terapeuta é o perito no processo terapêutico e sabe como questionar, como desafiar e como pôr a pensar; sabe como pedir algumas mudanças. Em terapia, lado a lado com um terapeuta, o casal muitas vezes aceita tarefas, fora ou dentro da sala de consulta, o que em casa e “per si” não fariam, fosse por teimosia ou por acharem que não eram capazes ou que não lhes fazia sentido. O facto de estarem perante alguém que eles consideram um especialista, ajuda muito no processo terapêutico.
Este projeto da Dinamarca visa diminuir o custo económico dos divórcios. Além deste custo, psicólogos dizem que o divórcio é dos momentos mais stressantes da vida. Concorda?
Sim, sem dúvida. Um divórcio é um dos grandes momentos de crise do casal. São planos de vida, muitos projetos que chegam ao fim. Todos os envolvidos sentem que falharam e é preciso trabalhar muito bem a questão das responsabilidades partilhadas, da auto-imagem, da auto-estima, das dependências, das redes de suporte…
Já agora, gostaria de dizer que casar ou ter filhos, por exemplo, constituem também momentos muito stressantes. A crise está associada ao stress que esses momentos, essas etapas acarretam. São, sem dúvida, mudanças grandes, para um estádio diferente. Muitas vezes só associamos o stress a uma carga negativa, mas há muitas crises, ditas positivas, que mexem muito connosco, porque mudar dói, aflige-nos, põe-nos em causa enquanto seres humanos, cônjuges ou pais. Mesmo que essa mudança seja muito desejada.
Agora vamos imaginar o que é mudar para algo que não queremos. Há casais que ficam paralisados nessa dor e não conseguem avançar. E, por vezes, com medo da mudança não se separam, mas também não procuram ajuda para que ainda possam continuar juntos. Assim, a vida anda sem andar, muda-se sem mudar e, é claro, que isto não é uma solução.
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