Helena Florindo (Faculdade de Farmácia da Univ. Lisboa), João Conniot (Faculdade de Farmácia da Univ. Lisboa), Ronit Satchi-Fainaro (Univ. Tel Aviv) e Anna Scomparin (Univ. Tel Aviv).

“Antevemos que a nossa vacina contra o cancro possa estar disponível dentro de 5-10 anos”, investigadora Helena Florindo

As equipas de investigadores de Portugal (Universidade de Lisboa) e de Israel (Universidade de Tel Aviv) desenvolveram uma vacina que pode ajudar a combater e a prevenir o cancro.

“Temos recebido mensagens de muitas pessoas com cancro. Dizem-nos que, no seu caso, a vacina já não chegará a tempo, mas que querem desejar-nos boa sorte para o trabalho que ajudará outros doentes. Estas mensagens dão-nos força para acelerar o nosso trabalho”, Helena Florindo

 

"Antevemos que a nossa vacina contra o cancro possa estar disponível dentro de 5-10 anos", investigadora Helena Florindo safe_image

Vacina contra o cancro – Esperança

 


Os primeiros testes mostraram bons resultados no melanoma. E há dados que apontam a eficácia desta vacina também em tumores como carcinoma da mama, cancro colorretal e cancro pancreático.

Helena Florindo faz parte de uma equipa de investigação apaixonada pela temática do cancro. A vacina experimental que hoje partilham com a comunidade científica, com a indústria que vier a apoiar o projeto e com o público em geral, é fruto de um trabalho que começou em 2012, inicialmente com os investigadores portugueses. A equipa de Israel surge mais tarde e torna-se essencial para obter as atuais conclusões: “tínhamos realizado testes com animais, mas procurávamos modelos com a doença, melanoma, num estádio mais agressivo para perceber a eficácia da vacina também nestas situações mais avançadas. Conheci então a investigadora Ronit Satchi-Fainaro numa conferência, que apresentou estes modelos e, em 2015 começámos a trabalhar em equipa”, recorda a investigadora portuguesa.
Ao contrário das vacinas contra o cancro que já existem, complexas e com efeitos adversos para os pacientes, esta vacina em questão, refere a investigadora, pode ser uma alternativa inovadora. Porque vai educar o sistema imunitário, ativando as células T  (glóbulos brancos com papel essencial no sistema imunitário) para combaterem as células tumorais, mas também criando uma espécie de memória deste processo a longo prazo, que irá prevenir o reaparecimento da doença.

Ou seja, “não se trata de um medicamento que tem como alvo direto as células tumorais, utilizando antes o sistema imunológico do nosso corpo para alcançar a destruição seletiva das células cancerígenas. Isto é de extrema relevância para os doentes oncológicos, os quais sofrem recorrentemente de efeitos adversos graves causados pela ação inespecífica de agentes anticancerígenos em tecidos e órgãos saudáveis”, o que leva muitas vezes à interrupção do tratamento, como esclarece a investigadora Helena Florindo.

Tendo em conta o sucesso dos primeiros resultados na prevenção, a vacina foi depois testada em animais (ratos) que já apresentavam a doença (melanoma). Porém, conta a investigadora, não foram verificados dados significativos quanto ao crescimento do tumor. A equipa complementou então a vacina com uma outra terapia (fármaco) e foi assim “todo o potencial da nossa vacina foi revelado”.

Conta-nos a Professora Assistente da Faculdade de Farmácia, Universidade de Lisboa, que “o crescimento do tumor foi fortemente inibido e a taxa de sobrevivência ao melanoma aumentou de 20% (combinação da imunoterapia com o ibrutinib) para 70% ao dia 65, quando a vacina foi adicionada à combinação dessa imunoterapia com o ibrutinib. Os animais não tratados já haviam morrido todos até ao dia 28”.

Os dados obtidos em modelos animais indicam que a vacina poderá vir a ser eficaz também contra tumores como carcinoma da mama, cancro colorretal e cancro pancreático. E Helena Florindo estima que a vacina possa estar disponível dentro de 5-10 anos.

Como funciona esta vacina?
Trata-se de uma vacina que “educa” o sistema imunitário que, desta forma, consegue reconhecer proteínas produzidas apenas por células tumorais, em particular células de melanoma, o que conduz a uma notável inibição do crescimento do tumor e poderá aumentar do tempo de vida dos doentes.

Esta vacina interage com células apresentadoras de antigénios, principalmente células dendríticas do sistema imunitário – estas tornam-se funcionalmente ativas e desencadeiam uma resposta imunológica específica ao apresentarem esses péptidos tumorais a células T do sistema imunitário (linfócitos T). Assim, asseguramos não só a ativação destas células T contra as células tumorais, mas também a criação de memória imunológica desta resposta a longo prazo, como forma de prevenir o reaparecimento desta doença.

Por isso, não se trata de um medicamento que tem como alvo direto as células tumorais, utilizando antes o sistema imunológico do nosso corpo para alcançar a destruição seletiva das células cancerígenas. Isto é de extrema relevância para os doentes oncológicos, os quais sofrem recorrentemente de efeitos adversos graves causados pela ação inespecífica de agentes anticancerígenos em tecidos e órgãos saudáveis. Esta realidade compromete a qualidade de vida dos doentes, mas também obriga à interrupção dos tratamentos.

De que terapias falamos?
Tratam-se de anticorpos monoclonais que inibem o PD-1 e activam o OX40, e do ibrutininb que inibe células mielóides supressoras. A imunoterapia, incluindo esta que regula os marcadores PD-1, veio revolucionar o tratamento do cancro. Este passo foi tão importante que levou à atribuição do prémio Nobel da Medicina no ano passado aos investigadores James Allison e Tasuku Honjo. Ainda assim, apenas uma pequena percentagem dos doentes responde a esta terapêutica, verificando-se o desenvolvimento de resistências à mesma e a indução de efeitos adversos.  A nossa vacina experimental desbloqueou também a ação destes tratamentos já utilizados em células que bloqueiam a resposta imunológica do nosso corpo contra células cancerígenas.

Esta vacina foi já testada em melanoma de ratos? Qual o resultado?
O nosso estudo demonstra que a vacina inibiu o desenvolvimento de melanoma, funcionando portanto como uma vacina preventiva. Estes resultados mostraram que, após a administração da vacina em animais saudáveis, combinada com outras terapêuticas em utilização clínica (que inibem o PD-1 e activam o OX40), a resposta imunológica era regulada de tal forma que protegia os animais contra o desenvolvimento agressivo do melanoma.

Estes resultados eram bastante promissores e, portanto, decidimos avançar e testar se esta mesma vacina seria igualmente eficaz quando os animais já apresentavam a doença. Neste caso, a vacina ativou o sistema imunológico, embora não tenha resultado no controlo significativo do crescimento do tumor.  Verificamos então que havia a infiltração de um tipo específico de células imunosuppressoras na massa do tumor e que, quando estas foram inibidas por um fármaco (ibrutinib),  todo o potencial da nossa vacina foi revelado. Desta forma, o crescimento do tumor foi fortemente inibido e a taxa de sobrevivência ao melanoma aumentou de 20% (combinação da imunoterapia com o ibrutinib) para 70% ao dia 65, quando a vacina foi adicionada à combinação dessa imunoterapia com o ibrutinib. Os animais não tratados já haviam morrido todos até ao dia 28.

Espera-se que seja eficaz em outros tipos de cancro?
Nós já temos dados obtidos em modelos animais que suportam a sua aplicação também na regulação da resposta imunológica contra tumores como carcinoma da mama, cancro colorretal e cancro pancreático. Por isso, acreditamos que esta vacina na realidade constitui uma plataforma, cuja composição poderemos adaptar tendo em conta o tipo de tumor que estamos a avaliar. Além disso, o cancro é uma doença complexa e multifatorial. Estamos, por exemplo, a estudar que tipo de células imunológicas são modeladas pela nossa vacina tendo em conta o tipo de tumor que estamos a estudar.  As formas mais agressivas requerem a combinação de diferentes estratégias terapêuticas, tendo em vista o aumento da esperança de vida dos doentes. Acreditamos que a vacinação desempenhará um papel importante na melhoria dos resultados e a segurança dos tratamentos já utilizados, o que será muito importante tendo em conta a agressividade destas doenças oncológicas.

Quais são os próximos passos?
Estes dados foram obtidos com uma vacina que desenvolvemos no nosso laboratório e foi testada em modelos animais de melanoma. Neste momento, estamos a considerar qual a melhor estratégia, tendo em vista adquirir financiamento que permita a produção desta vacina em maior escala para que possamos depois avançar para ensaios clínicos.

Em simultâneo, os nossos estudos no laboratório com esta vacina avançam e estamos a caracterizar a sua eficácia e segurança no tratamento de outros tumores (carcinoma mamário, cancro coloretal e cancro pancreático), incluindo a sua combinação com outras terapêuticas já em utilização na clínica contra estas doenças. Uma aplicação igualmente interessante e urgente prende-se com a avaliação da sua eficácia na indução de uma resposta imunológica que previna o desenvolvimento de cancro naqueles doentes que apresentam mutações genéticas associadas ao desenvolvimento de cancro no futuro, como a BRCA.

Há perspectiva de estar disponível para utilização? (Em quantos anos?)
Tendo em vista o desenvolvimento deste produto, o qual terá ainda que passar pelos ensaios clínicos de forma a assegurar a segurança e eficácia em humanos, nós antevemos que, caso tudo corra como esperado, a nossa vacina possa estar disponível dentro de 5-10 anos.

 O que espera deste trabalho enquanto investigadora?
Embora já existam no mercado vacinas terapêuticas contra o cancro, estas requerem processos extremamente complexos, desde a colheita das células até ao seu cultivo, muitas vezes induzindo efeitos adversos nos doentes. Este procedimento pode levar a um rendimento e a uma qualidade de tratamento variáveis, dependendo do estadio de evolução da doença. Este trabalho permitiu-nos desenvolver um produto que constitui uma alternativa a essas vacinas baseadas em células. Estamos a falar de um potencial produto que será administrado aos doentes e, desta forma, modelar diretamente o seu sistema imunológico.

Por outro lado, além da vacina ser um produto inovador, os nossos resultados abrem também novas perspetivas, uma vez que mostram que a nossa vacina regula a função de células imunológicas para além daquelas em que atua diretamente. Esta informação é importante e poderá ser aplicada em estratégias já em desenvolvimento clínico, nas quais a vacinação seja uma das abordagens terapêuticas em avaliação.

O estudo foi realizado no laboratório da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa, em parceria com o laboratório da Professora Ronit Satchi-Fainaro da Universidade de Tel Aviv. Além da investigadora Helena Florindo, João Conniot, investigador da sua equipa, e Anna Scomparin, cientista na equipa da Professora Ronit Satchi-Fainaro na Universidade de Tel Aviv, são os primeiros autores deste artigo.

 

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