“Quando casamos, não casamos apenas com aquela pessoa, mas com a sua família também”, Sofia Arriaga, especialista em Mediação Familiar
Terapia de Casal. Será que funciona? Será que há esperança na Terapia de Casal para os casais em crise? Haverá luz ao fundo do túnel quando já não há comunicação debaixo do mesmo tecto? Quando a traição está omnipresente em todas as discussões. Quando a sogra é o principal tema de conversa à mesa. Perguntas para a psicóloga Sofia Arriaga. Doutorada em Psicologia Clínica, Sofia Arriaga é pós-graduada em Terapia Familiar e de Casal. Há 20 anos que intervém junto dos casais, do divórcio, trabalhando em psicodrama, terapias pela arte, counseling e life coaching.
Pode contar-nos um caso de um casal que tenha acompanhado com sucesso através da terapia?
São várias histórias, várias vidas que já me passaram pelas mãos e que tive a honra de poder ajudar. Fica difícil escolher só uma.
Há situações, como a da infidelidade, que são muito difíceis de gerir. Tem de haver uma enorme vontade da parte de ambos de ficarem juntos, uma enorme vontade de perdoar e seguir em frente, sendo o amor o que os liga e não desejos de vingança ou o medo de ficar sozinhos. É preciso trabalhar a confiança, restaurar a confiança, pôr uma grande ênfase no compromisso (tal como a terapia em que os alcoólicos se comprometem a não beber). É preciso praticar o letting go. Não é esquecer, é assumir que se quer continuar um projeto de vida e que o que aconteceu não pode servir como arma de arremesso.
Quem é traído sofre horrores, mas, paradoxalmente, passa a ter um poder na relação que não tinha até aí. Todas as brigas vão parar a essa traição, tenham ou não tenha a ver com isso. Mas, este poder tem de ser reequilibrado.
É certo que a maioria dos casais procura terapia praticamente logo que descobrem a traição. Contudo, lembro-me de um casal que só iniciou a terapia 15 anos depois do episódio de traição. O pé de chumbo do passado não os deixava seguir em frente, impedia-os de serem felizes. E cada vez que havia um problema sobre quem fazia as compras para a casa, sobre quem levava o lixo à rua, rapidamente entravam numa escalada que ia parar ao que tinha acontecido 15 anos antes, que nunca tinha sido realmente ultrapassado. Foi preciso algum tempo para que falassem durante a sessão, ventilassem todos os sentimentos, até que se chegou ao perdão e ao compromisso de deixar o passado no passado. Foi preciso focalizarmo-nos no presente e no futuro. Aprenderam que discutir podia ser saudável, desde que aprendessem a discutir de forma justa, onde um dos pontos essenciais era restringirem-se ao assunto da discussão, mesmo que tivessem muita vontade de ir buscar o que tinha ficado lá atrás.
Lembro-me ainda de outra história, em que o casal estava por um fio devido à intromissão das famílias de origem. Muitas vezes esquecemo-nos que quando casamos, não casamos apenas com aquela pessoa, mas com a sua família também. São novos laços que se criam, muitas vezes de uma forma quase instantânea.
A relação entre sogra e nora realmente perturbava a relação do casal. Havia um marido, que ao mesmo tempo era filho e permitia que a mãe interferisse em demasia na relação conjugal. Foi muito importante trabalharmos limites, construirmos um nós conjugal e trabalharmos as lealdades divididas – este senhor sentia que se defendesse a esposa estava a ser “infiel” à mãe. Era preciso criar então o tal modelo de conjugalidade. O casal teria de ceder um pouco o seu espaço e abrir-se à entrada dos sogros na sua vida, mas também fechar-se, em certos momentos, como uma ostra, para que pudesse ter as suas regras e o seu próprio tempo apenas a dois.
Usámos uma ferramenta muito útil que foi o genograma, que é uma espécie de mapa, um utensílio visual que permite ver o lugar de cada um na família e as relações que se estão a estabelecer, que podem reforçar ou prejudicar a conjugalidade. Este genograma foi feito com o casal e só de o fazerem e visualizaram tiveram logo uma imagem muito mais clara do que estava a acontecer. De facto, relações presentes e passadas afetam sem dúvida a forma como o casal vive a sua conjugalidade.
Perceber o que se passava estava percebido, mas agora era preciso passar à ação e sem mudança de comportamento não haveria uma verdadeira mudança. Um momento chave do processo terapêutico foi quando os sogros foram convidados a participar numa sessão. Com a ajuda do terapeuta conseguiu falar-se de fronteiras, limites, de espaço, de áreas comuns e de áreas afetas apenas ao casal. Foi importante mostrar que algum distanciamento era necessário e não significava falta de amor ou de respeito pelos pais. Os próprios sogros falaram da relação que tiveram com os seus sogros. Muitas vezes focamo-nos em algo particular e esquecemo-nos de ver o quadro geral. Levaram como metáfora que o cordão umbilical é preciso ser cortado várias vezes ao longo da vida, mas que nenhum amor substitui outro.