J.R.-Storment sobre a morte do filho.

“Abrace os seus filhos. Não trabalhe até muito tarde”, J.R. Storment

“Enquanto eu escrevia este post, o meu filho vivo, Oliver, veio interromper-me. Em vez de dizer o habitual ‘não’, parei de escrever e perguntei se poderia brincar com ele”, J.R. Storment

 

Para quem tem tido receio de perguntar detalhes sobre a morte do filho e para quem se pergunta por que desapareceu J.R. Storment, o Presidente da empresa FinOps Foundation e fundador da Cloudability, eis a resposta dada na primeira pessoa. Um post que o empresário escreveu no Linkedin há uma semana – dos mais comoventes e dolorosos que já passaram no feed.

 

Há oito anos atrás, no mesmo mês, tornei-me pai de gémeos e co-fundador da minha empresa, a Cloudability. Há cerca de três meses, a Cloudability foi vendida. Há cerca de três semanas, perdemos um de nossos rapazes.

Quando recebi o telefonema, eu encontrava-me na sala de conferências com 12 pessoas, no escritório em Portland – falávamos sobre políticas de banco de horas para os colaboradores. Minutos antes, tinha admitido ao grupo que, nos últimos oito anos, não tinha tirado mais do que uma semana seguida, de férias. Eu a minha mulher temos acordado que, quando um de nós telefona, o outro responde. Então, quando o telefone tocou, levantei-me e caminhei imediatamente até a porta da sala de conferências.

A sua resposta foi gelada e imediata: ‘JR, o Wiley está morto’.

‘O quê?’, respondi incrédulo.

‘O Wiley morreu’, repetiu ela.

‘O quê?! Não. Gritei.

‘Desculpa, mas tenho que ligar para o 911.’

Esta foi toda a conversa que estabelecemos. A coisa seguinte de que me recordo de fazer é correr ferozmente pela porta fora, com as chaves do carro na mão.  Percebi que não tinha o comando da minha garagem. Corri de regresso, e quase gritei: ‘Alguém me leve de carro! Felizmente, houve um colega que atendeu ao pedido.

Quando cheguei a casa, doze minutos depois, a vila em que moramos estava cheia de veículos de emergência. Eu corri para a nossa porta, que estava aberta, e fui diretamente para o quarto dos nossos filhos. Meia dúzia de polícias bloquearam-me o caminho. Quando uma criança morre subitamente, torna-se potencialmente uma cena de crime. Foram duas horas e meia dolorosas até poder ver o meu garoto. Depois de uma hora de espera, em choque, disse aos policias que não podia esperar mais. Eles permitiram-me vê-lo pela janela de vidro. Ele estava deitado na sua cama. Parecia que estava a dormir tranquilamente.

Quando o médico legista finalmente terminou o seu trabalho, fomos autorizados a entrar na sala. Uma calma estranha apoderou-se de mim. Deitei-me a seu lado, na cama que ele amava, segurei a sua mão e perguntei repetidamente: ‘O que aconteceu, meu companheiro? O que aconteceu?’. Ficamos ao lado dele durante cerca de trinta minutos, acariciamos os seus cabelos, antes que voltassem com uma maca para levá-lo embora. Fui com ele, a segurar a sua mão e a sua testa, enquanto descíamos pela garagem. Então, todos os carros foram embora. O último a sair foi a minivan preta com o Wiley.

O Wiley estava obcecado por começar um negócio. Um dia, era um stand de smoothie; no outro, uma empresa de headset, um codificador e uma empresa de construção de naves espaciais. Em cada um destes cenários, ele era o chefe. E o seu irmão (e, às vezes, nós) era convidado a trabalhar para ele — não ‘com’ ele — e cada um recebeu uma função. Por volta dos 5 anos, o Wiley decidiu que se casaria quando fosse adulto. Aos 6, ele já tinha até identificado a sua mulher, a quem segurava a mão no recreio, desde o primeiro dia do jardim de infância. Nos dois anos seguintes, quando nos mudamos de Portland para Londres e para o Havai, ele manteve contacto com ela, por cartas, escritas à mão.

Um dos incontáveis ​​momentos difíceis deste mês foi o momento em que assinei a sua certidão de óbito. Ver o nome dele escrito foi difícil. Dois campos abaixo do formulário esmagaram-me. O primeiro dizia: ‘Ocupação: nunca trabalhou’ e o seguinte: ‘Estado civil: nunca se casou’. Ele dizia que queria tanto fazer as duas coisas. Sinto-me feliz e culpado por ter tido sucesso em cada uma destas coisas.

(…)

"Abrace os seus filhos. Não trabalhe até muito tarde", J.R. Storment Linkedin

Linkedin – é mais tarde do que julga

A noite anterior decorreu normalmente. Recebemos amigos com crianças ao jantar. Todos nós pulamos no trampolim gigante que tinha sido a nossa primeira aquisição para a casa, para a qual nos mudamos há algumas semanas. Naquela noite, Wiley foi autoritário com as outras crianças (além da sua mãe, ele era uma das pessoas mais opinativas que eu conheço) e começou a dizer a todos os meninos que estavam a jogar aquele jogo de forma errada. Eu chamei-o de parte. Eu era severo com ele. Muito severo, pensando bem agora. E fi-lo chorar. É uma das últimas interações que tivemos e culpo-me por isso. Ainda vejo as lágrimas a escorrerem-lhe pelo rosto e ouço os seus protestos ‘mas ninguém me escuta’.

Algumas horas depois, as coisas acalmaram-se. O Wiley comeu a sua refeição favorita. Então, colocamos as crianças na cama. Eu tive um momento muito doce com Wiley na hora de deitar e pedi-lhe desculpas por tê-lo feito chorar. E eu fui para a cama. Cerca de quinze minutos depois, eu estava deitado na cama e, no quarto escuro, vi a sua forma seminua — sempre incrivelmente alta e magra para a idade dele — a subir as escadas para o nosso quarto: ‘Papá, eu não consigo dormir’. Havia música alta, de uma festa na casa de um vizinho e isso mantinha-o acordado. Eu acompanhei-o de volta ao seu quarto e fechei todas as janelas. Ele disse que estava melhor. Tivemos outro momento doce. Então, eu voltei para a cama.

Por volta das 5h40 da manhã seguinte, acordei pois tinha uma série de reuniões. Fiz uma viagem ao Peloton, recebi ainda em casa um telefonema de um analista do meu escritório, estive ao telefone com um colega no caminho para o trabalho e depois estive no escritório. Ninguém parece tão importante agora. Saí naquela manhã sem me despedir ou olhar para os meus filhos. No final da manhã, a Jessica pensou que o Wiley estava simplesmente a dormir. Ele adorava dormir, ele amava a sua cama e tinha sido uma semana longa, com atividades diurnas divertidas e com visitas. Eventualmente, ela teve a sensação de que havia passado muito tempo e entrou no quarto para observá-lo. Ele estava gelado. Mais tarde, o médico legista calculou que ele estava morto há, pelo menos, 8 a 10 horas, o que indica que ele faleceu no início da noite.

No ano passado, o Wiley foi diagnosticado com uma forma tipicamente leve de epilepsia chamada Epilepsia Rolândica ou Epilepsia Benigna da Infância, que é mais comum em rapazes entre os 8 e os 13 anos. É chamada de “Benigna” porque acaba por passar na adolescência. No caso de Wiley, era uma epilepsia leve: só observámos uma única convulsão confirmada. Aconteceu há cerca de 9 meses atrás, enquanto visitávamos Portland, no Reino Unido. Todos os múltiplos pediatras e neurologistas com quem discutimos a condição do meu filho disseram que não havia motivo para preocupações. Ele tinha o “melhor” tipo de epilepsia.

Por isso, a conclusão sobre a causa da morte foi Morte Súbita Inexplicável de Epilepsia. Geralmente, ela é vista como imprevisível, inevitável e irreversível, uma vez iniciada. Pode estar ligada a uma convulsão, mas, muitas vezes, o cérebro simplesmente desliga. Estatisticamente, era altamente improvável que atingisse o  nosso filho: 1 em 4.500 crianças com epilepsia é afetada. Por vezes, acabamos por ser incluídos na estatística.

Muita gente pergunta-me o que pode fazer para ajudar. Abrace os seus filhos. Não trabalhe até muito tarde. Há uma quantidade de coisas que gostaria de fazer e vai arrepender-se depois de não as ter feito, quando já não tiver tempo. Costuma agendar um tempo para estar com os seus filhos? Se há alguma lição a tirar disto, é lembrar os outros (e a mim) para não perdemos as coisas que realmente importam.

Ainda não regressei ao trabalho. Portanto, se me enviou um e-mail ou uma mensagem, é provável que eu não tenha respondido. Quando eu voltar, poderei declarar a falência por e-mail. A grande questão é como voltar ao trabalho de uma forma que não me deixe novamente com os arrependimentos que tenho agora. Para ser sincero, tenho pensado em não voltar.

Mas acredito nas palavras de Kahlil Gibran, que disse: ‘Trabalho é amor tornado visível’. Para mim, essa linha é uma prova de quanto ganhamos, crescemos e oferecemos com o trabalho que fazemos. Mas esse trabalho precisa de ter um equilíbrio que eu raramente vivi. É um equilíbrio que nos permite oferecer os nossos presentes ao mundo, mas não à custa de nós mesmos e da nossa família.

Enquanto eu escrevia este post, o meu filho vivo, Oliver, veio interromper-me. Em vez de dizer o habitual ‘não’, parei de escrever e perguntei se poderia brincar com ele. Ele ficou surpreendido com a minha resposta e acabámos por ligar-nos de uma maneira que antes não teria acontecido. Pequenas coisas importam. Um aspecto importante desta tragédia é o melhor relacionamento que tenho com ele. A nossa família deixou de ter duas unidades de dois (os pais e os gémeos) e passou a ser um triângulo de três. Esse é um grande ajuste para uma família que sempre teve quatro cantos.

Aprendi a parar de esperar para fazer as coisas que as crianças pedem.

(…)

Como a minha esposa escreveu no seu post “Tudo o que fica” (ela é sempre mais eloquente do que eu): ‘Por favor, perguntem-nos sobre a vida e a morte do nosso filho. Nós curamo-nos em pequenos pedaços enquanto conversamos sobre isso’. Destas cinzas, surgiram muitas ligações novas e restauradas. Espero que a partir desta tragédia, considere como priorizar o seu próprio tempo.”

 

 

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