Dia Mundial Alzheimer

“Ainda te queres casar comigo?”, Júlio para Luísa. Dia Mundial de Alzheimer

21 Setembro, Dia Mundial da Doença de Alzheimer
“Estás tão bonita hoje Luísa. Ainda queres casar comigo?”, pergunta Júlio, 90 anos, a Luísa, internada com demência há 5 anos

A foto é de Marta Poppe e desde 2015, o ano em que a imagem foi captada num lar da Santa Casa da Misericórdia de Almada, tem sido partilhada de forma viral. No Dia Mundial de Alzheimer, fomos descobrir a história por detrás do beijo que tem apaixonado milhares de pessoas nas redes sociais. Marta conta-nos que esta, entre outra fotos, é o resultado de umas tardes passadas num lar com o objetivo de realizar um calendário com pessoas com demência. Um calendário que mostrasse a realidade das famílias, mas sem a sombra da dor e sofrimento que lhes estão habitualmente associados.

Este é o retrato do trabalho que mais marcou a fotógrafa. Não pelo facto de ter ficado em 2º lugar num concurso de fotografia alusivo ao tema da generosidade. Não pelo facto de se ter tornado viral, até hoje. Mas porque Júlio, aos 90 anos, ainda era um homem apaixonado. “Recordo-me de estar a falar com ele, e de ele queixar-se: ´já viu o que me aconteceu? A Luísa era a alegria da casa…’. De repente, quando ela assome à porta, vinda do seu quarto, de onde raramente saía a não ser para lanchar com o seu marido, Júlio muda a expressão e põe o maior sorriso no rosto, dizendo-lhe: ‘estás tão bonita. Casavas comigo outra vez?‘”.

Marta nunca perdeu a postura. E ali se manteve de objetiva na mão até conseguir este momento perfeito. O beijo. Mas, confessa, ao terminar a jornada, “cheguei ao fundo das escadas e desmanchei-me. Eram histórias muito marcantes”.

Luísa faleceu pouco tempo depois. Nunca chegou a saber que a foto do seu beijo ficou exposta no Largo Trindade Coelho (onde está a estátua de homenagem aos cauteleiros), junto à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Júlio faleceu entretanto, mas ainda há uma foto do nonagenário junto a esta imagem, no centro da cidade.

Partilhamos o texto, escrito por Mariana Quintela, que ouviu a história contada por Marta, e a reproduziu desta bonita forma:

“Existe um senhor que se levanta de manhã, frita rissóis, faz sandes de couratos e compra um Compal diariamente. Organiza tudo num saquinho e dirige-se à Santa Casa da Misericórdia de Almada. Apressa o passo e tenta chegar cedinho. Tem tanta coisa para ver.

Vai visitar a mulher.
Luísa está internada com demência há 5 anos

Ele tem 90 anos, ela ainda não chegou aos 80.
Tempo tão escasso para se dizer ainda tanta coisa.

Entra nas instalações e cumprimenta as funcionárias como se fosse lá de casa. Corrige a postura e compõe-se meticulosamente. É tão importante aquilo que vai fazer…

Entra na sala e procura-a com o olhar.
Quando a encontra, atravessa a sala e pergunta-lhe se ela se quer casar com ele outra vez. Diz-lhe que está linda.
Ela sorri e estende-lhe as mãos. Ela, que não reage a ninguém e pouco fala, só quer agarrar-se a ele e dar-lhe beijinhos.

Num desses momentos, tive a sorte de estar presente e captar toda esta ternura que tentei passar através da lente.

A misericórdia pode ser visível sim e, neste dia, aprendi muito.
Aprendi que o amor não se acaba com a memória, ou com a falta dela.
Aprendi que apesar de estarmos frágeis por dentro, podemos sempre “fingir” que tudo está bem mesmo quando não sabemos o que vai acontecer.
Aprendi que uma pessoa que já foi alegre, passa a sua alegria para quem a rodeia, para quem quer perpetuar a realidade da felicidade.

Este senhor ensinou-me isto nesse dia.
Ensinou-me que, com 90 anos, ainda se pode fazer tudo por alguém, especialmente quando esse alguém já não sabe quem é.”

Foto: Marta Poppe

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