Costumo dizer que, enquanto sentirmos necessidade de comemorar o Dia da Mulher, é porque alguma coisa ainda não está bem.
E não está. Os equilíbrios não estão garantidos. As paridades ainda são notícia. E as oportunidades ainda não nascem para todos, em todos os lugares, de forma igual.
Ainda assim, e sob o conceito Dia da Mulher, lembrei-me de duas mulher que, nada tendo a ver uma com a outra, passei a admirar, com o maior respeito, e pelas razões que
vos resumo de seguida.
A primeira é conhecida. Desempenha cargos de grande responsabilidade e reputação. Na farmacêutica Pfizer desdobra-se em projetos e uma imensa competência enquanto líder
do cluster de doenças raras da farmacêutica na Europa. Na Professional Women Network, em Portugal, cujo board já tive o prazer de integrar, reúne mulheres profissionais em todo o mundo
e com elas, e na frente delas, persegue objetivos como a igualdade de oportunidades e o acesso a lugares de topo. É ela o rosto e a voz de títulos de notícias como: “A sociedade continua a esperar da mulher mais que do homem em atividades familiares. Isso não vai ser alterado por decreto”. A Ana Torres é uma mulher só espantosa.
A Sara é uma mulher cujas palavras vou guardar para sempre. Esteve há dias no meu sofá. Falou do acidente automóvel que a deixou seis meses deitada, imóvel, numa cama de hospital.
Ela conhece as dores que nem a morfina consegue adormecer. Também conhece a recuperação dura e o estigma da amputação, que a levou a abandonar muitos sonhos, típicos de uma mulher ativa como a Sara. Típicos de uma mulher que sonhava ser mãe como a Sara.
Voltou ao trabalho. Com as dores que se agudizavam cada vez que tinha que tinha subir as escadas do terceiro andar da casa dos pais. E quando achamos que já é sofrimento a mais para uma mulher só,
eis que, no seu último dia de trabalho, numa Associação que prestava apoio a mulheres com Cancro da Mama, é espancada e violada. Por homens que julgavam ter batido à porta do local que procuravam: “a festa”, como transmitiram da primeira vez que tentaram entrar. A Sara tinha 29 anos.
O que me conta destroçou-me. Mas foi a forma como o contou que me deixou sem palavras: a sua dignidade, disfarçada de serenidade, merece todo o meu respeito.
A dignidade de quem um dia me disse isto e que, acredito, guardarei comigo todos os dias, para sempre:
“eu só consigo permitir ajuda de alguém que conhece o nível de sofrimento pelo qual eu já passei”.