À conversa, via telemóvel, (e já pela noite dentro) com Maciel Vinagre. O português condecorado pela Rainha Isabel II, pelo seu contributo na luta contra à COVID-19, enquanto diretor adjunto dos serviços de limpeza de dois hospitais em Londres.
Há cerca de um mês estava sentado no seu escritório, ao computador, quando a caixa de correio eletrónico assinalou a chegada de um novo email, da parte do ‘Cabinet Office’ [Ministério do Governo], a dar conta de que Maciel constava da lista de distinguidos da Rainha. Maciel releu o email várias vezes. Mas continuava incrédulo, questionando-se se seria uma brincadeira. Pediu por isso ajuda a um colega de trabalho, que se aproximou para ler o email e confirmou as suspeitas de Maciel. Só podia ser fake (falso) porque a Rainha agracia pessoas duas vezes por ano, no Ano Novo, e por altura do seu aniversário oficial, em Junho. E estamos em Outubro, justificou o colega. Numa segunda pesquisa pela net, ficaram então a descobrir que as distinções da Rainha haviam sido adiadas para Outubro (justamente para distinguir heróis da linha da frente). “Este email então só pode ser Scam (termo usado para descrever fraude) e é melhor apagar”, avançou o colega.
O madeirense de 45 anos, natural de São Vicente, foi um dos trabalhadores do serviço de saúde público britânico (NHS) reconhecido na lista deste ano de condecorações pelo aniversário da Rainha por serviços prestados durante a pandemia com a Medalha do Império Britânico (‘British Empire Medal’, designada por BEM). A partir de agora, Maciel Vinagre passa a poder usar no seu nome o título BEM.
Foi escolhido pelo Governo entre milhares de nomes e nomeado para esta insígnia, por colegas e chefes dos hospitais os hospitais de Ashford e de St. Peter’s (Londres), que reconheceram “a inovação e a criatividade” do seu trabalho, essenciais para conter a infeção pelo novo coronavírus dentro dos hospitais e proteger não só os doentes, mas também funcionários.
Uma das inovações de Maciel foi introduzida no início da pandemia: “eu estava muito atento ao que se passava em Itália e comecei imediatamente a pensar em medidas que pudessem ser aplicadas quando o vírus chegasse até nós. Encontrei um produto no mercado, cujos fabricantes garantiam proteger as superfícies de vírus e bactérias durante 30 dias. O produto era novo e por isso, apresentava poucas vendas. Contratei uma empresa especializada em desinfestação para aplicar através de vapor esse produto desinfetante. No mesmo dia em que o produto chegou, a empresa começou o trabalho de desinfeção de todo o hospital. Hoje, o produto já foi testado e sabemos que a sua eficácia é de cerca de 10 dias.” Mas fez a diferença na desinfeção e na proteção de doentes e funcionários – o hospital apresentou uma das taxas de mortalidade mais baixas da região.
Maciel também inventou uma forma de esterilizar máscaras (para evitar riscos de falta de abastecimento), recorrendo a luzes ultravioleta. E, sobretudo, reinventou a motivação quando a sua equipa perdeu um colega de trabalho, um funcionário de limpeza, também português, de 71 anos. “Foi um momento muito difícil perder um amigo e um colega. O Manuel Santinhos quis continuar sempre a trabalhar e, depois da sua morte, a equipa ficou assustada e muito abalada”.
Os tempos não têm sido fáceis. Maciel recorda, por exemplo, um colega da sua equipa de limpeza que às 21h, depois de 14 horas consecutivas de trabalho, apresentava os pés inchados e com borbulhas: “para garantirmos a máxima desinfeção, é preciso estarmos sempre a mudar as camas dos doentes de sítio. Fazemos quilómetros por dia”, conta.
O bom desempenho (e a humildade de Maciel) levaram a equipa a nomear o seu nome: “durante os tempos de confinamento, de vez em quando, éramos (equipa de limpeza) abordados pelas enfermeiras que nos diziam – obrigada por nos manterem seguros”. E depois, o carinho dos pacientes e da comunidade: “um dia, um paciente recuperado da COVID-19, à saída do hospital, deu-nos 35 mil libras (cerca de 38 mil euros)”. Juntaram o valor ao Fundo, que canalizaram para adquirir alimentos, com o objetivo de alimentar os funcionários do hospital. “Lembro-me que, um dia, em plano confinamento, fui tentar comprar frigoríficos para conservar as refeições pré-preparadas, mas só já encontrei um à venda. A população, receosa, tinha comprado todos os equipamentos”.
Mas Maciel destaca a generosidade da região: “na Páscoa, chegou um camião de uma companhia, com quatro mil ovos de chocolate para os colaboradores do hospital”.
Maciel Vinagre, BEM, chegou a Londres com 18 anos, em busca de uma vida melhor. Como o inglês não era o seu forte, conseguiu o seu primeiro trabalho num restaurante italiano. Tinha a única função de lavar pratos. Em 94, mudou de emprego: tornou-se empregado de limpeza no hospital Ashford, onde é agora diretor adjunto dos serviços de limpeza (além do hospital de Ashford, é também diretor adjunto dos serviços de limpeza do St. Peter’s, ambos em Londres). Nas horas vagas, estudava inglês. E interessou-se pelo tema da desinfeção e da gestão de pessoas, sobre os quais foi fazendo cursos. Não tem curso superior. E nunca imaginou ganhar a Medalha do Império Britânico, pela sua contribuição para a comunidade.
(Até hoje, apenas dois portugueses foram agraciados pela Rainha Isabel II: a pintora Paula Rego e Lino Pires, proprietário de um restaurante).
Os pais de Maciel continuam na Madeira. Orgulhosos. Orgulho em portugueses e histórias como a de Maciel.