“Estou muito triste. Já assisti à morte na minha ambulância. A evolução da pandemia depende das pessoas. Nesta altura é preciso máxima responsabilidade”, José, bombeiro há 40 anos

José está neste momento ao serviço. Foi render um colega numa ambulância que aguarda numa fila há horas, à entrada do Hospital Garcia da Horta, em Almada. Desde há cerca de 15 dias que todas as noites vai parar a esta fila. Um dos momentos mais desgastantes durou 14h30, sendo que após este período José foi ainda substituído por um colega. Perdeu a conta ao tempo que o doente permaneceu à espera, sem possibilidade de lhe aumentar o conforto com comida ou ar condicionado, que, por motivos de contágio, foi proibido. José garante que “os médicos e os enfermeiros se desdobram em cuidados, vêm à ambulância, fazem o que podem e o que não podem. A culpa desta catástrofe que se vive no sistema nacional de saúde não é dos profissionais, que fazem neste o momento o impossível num cenário lotado. A culpa é das pessoas, que teimam em não compreender a gravidade da situação. Estou triste. Já assisti à morte nesta ambulância. Estou triste. Porque ainda há quem não se tenha apercebido de que as ambulâncias e os bombeiros são finitos. Se estivermos todos aqui nesta fila, não vamos conseguir socorrer um doente com AVC e outras doenças graves que continuam a existir. As pessoas baixaram a guarda…”.

José passou dos 50 anos e é bombeiro desde os 7. Já viu muita coisa, “mas nunca nada assim”. José, habituado a deixar a família em casa, para ir salvar vidas com um sorriso no rosto, está profundamente triste. Continua a colocar o sorriso para confortar os doentes que transporta até à fila do hospital. “Mais de 95% dos doentes com COVID-19 são transportados pelos bombeiros. Estamos sempre em contacto com estes doentes. E por isso pergunto: por que não fomos incluídos no grupo prioritário de vacinação Covid-19? Somos os primeiros a ser chamados e, vamos, leais ao juramento que fizemos ‘vida por vida’. Mas não fomos incluídos entre os prioritários. Não estou contra quem tomou a vacina. Estou contra quem tomou a decisão de não nos incluir no grupo prioritário. É lamentável e não tem explicação”, refere.

José entrou ao serviço às 20h e vai sair às 8h da manhã. Após esta hora, e tendo em conta o contexto atual, continuará o serviço como bombeiro voluntário. Perguntamos como podemos ajudar os bombeiros que neste momento estão na linha da frente, passando largas horas sem comer e dormir: “A maior ajuda é serem responsáveis. E lembrarem-se dos bombeiros sempre e não apenas quando precisam deles. Basta serem sócios dos bombeiros. Se todos forem sócios da corporação de bombeiros da sua localidade com uma quota de um euro por mês, os bombeiros terão as condições necessárias para agir quando precisarem deles”.

José, que conta não ter férias de verão em família desde 2017, na sequência dos fogos que têm ocorrido nesta altura do ano em Portugal, está cansado e triste. “Mas não baixo os braços. Vida por vida”.

 

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