"Todos aqui já foram vacinados, menos o senhor".

Covid-19: “Todos aqui já foram vacinados, menos o senhor.”

“Todos aqui já foram vacinados, menos o senhor”. Não é a primeira vez que António, 77 anos, ouve, com sentimento de injustiça, esta indicação. No dia 28 de janeiro, quando se preparava para o seu tratamento habitual de hemodiálise, e questionou a equipa clínica sobre a data de vacinação, foi esta a resposta que obteve. Tomou então conhecimento de que, além dos médicos do centro, também os seus colegas doentes em hemodiálise tinham completado a vacinação contra a covid-19. Estes doentes, que necessitam de ir aos centros de hemodiálise três vezes por semana e que são transportados em conjunto, foram considerados prioritários, na sequência dos dados das clínicas de diálise, reportados pela Sociedade Portuguesa de Nefrologia: à data (nas últimas semanas, antes da vacinação urgente) a mortalidade nestes pacientes tinha multiplicado por sete.

A segunda vez que António recebeu a mesma mensagem foi por telefone, desta vez enquanto médico no Instituto de Cardiologia Preventiva, onde dá consultas: “‘todos já foram vacinados, médicos, psicólogos, auxiliares. O seu nome também foi comunicado, mas….’, disseram-me, com surpresa”. António Andrade Sousa, doente em hemodiálise, asmático, cistectomizado por cancro da bexiga, e médico, não pode ainda ser vacinado – “nem tenho dia marcado”, sublinha – visto que a norma da Direção-Geral da Saúde (DGS) não permite até ao momento atual a vacinação de pessoas que já tenham tido Covid-19. António considera uma injustiça. E não está sozinho nesta batalha.

Há dias, a Ordem dos Médicos apelou à DGS para a revisão da norma que impede a vacinação das pessoas que já estiveram infetadas com SARS-CoV-2 (o vírus que provoca a Covid-19), especialmente profissionais de saúde. A Ordem destaca o “risco acrescido que estes colegas têm, já que a imunidade não é de todo garantida de forma igual e não sabemos o seu limite temporal”, fazendo referência aos “muitos estudos” que “apontam para a vantagem de vacinar quem já esteve doente (com pelo menos uma dose)”.

Além de Portugal, apenas a Islândia ainda não está a incluir nas suas campanhas de vacinação as pessoas que estiveram previamente infetadas com o novo coronavírus. Os restantes países europeus têm optado, de acordo com o Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC), por duas estratégias: A primeira é dar apenas uma dose, como se faz em sete países, inclusive Itália e Espanha. A outra opção, escolhida pela maioria dos países analisados (15), como a Alemanha e a Bélgica, tem sido vacinar por completo estas pessoas.

António considera que é preciso levantar a questão nesta “fase surrealista da saúde portuguesa”. E chama a atenção para a evidência científica: “o risco de reinfeção é real”.

António foi diagnosticado com Covid-19 em Março 2020, alegadamente na sequência de um surto na clínica onde fazia tratamento de hemodiálise. A esposa, única pessoa da família com quem mantém desde então contacto mais próximo e regular e que depende do seu apoio, não chegou a fazer o teste. Ambos foram doentes assintomáticos. Cerca de cinco meses depois, realizaram testes serológicos (que permitem avaliar a presença de anticorpos específicos para o vírus SARS-CoV-2) e os resultados foram negativos.

Em nome dos doentes que se encontram na mesma situação que a sua, já endereçou cartas a várias entidades como Ministério da Saúde e DGS. Apenas a Ordem dos Médicos respondeu. “A batalha continua. A esperança também. Estamos a falar de doentes fragilizados – vamos deixá-los morrer?”.

 

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