Daria, Guerra da Ucrânia

“Ver gente a morrer e não poder fazer nada. Não aguentava mais”, Daria, 22 anos, acaba de aterrar em Lisboa, sozinha.

Daria está sem chão. E, mais do que nunca, de coração dividido. Entre a mãe, que se recusa a abandonar o país onde nasceu e onde viveu a vida inteira, a Ucrânia. Entre o pai, neste momento a apoiar famílias refugiadas em Lublin, no leste da Polónia, onde tem um alojamento que oferece todos os serviços possíveis, cama e comida. Entre a irmã, cuja cidade da sua residência, junto ao aeroporto, a cidade de Lutsk, foi bombardeada no primeiro dia de guerra. A irmã e as suas crianças menores de idade conseguiram alcançar a fronteira. O marido ficou na guerra. E Daria, aterrorizada dia e noite pelas sirenes que antecipavam o pior, decidiu partir. Sozinha. Com a sua dor. E o medo: “a minha casa é, era”, corrige, “em Kamin-Kashyrskyi, a 3o km da fronteira com a Bielorrússia. Desde que a guerra começou, temíamos uma invasão da Bielorrússia. E depois as sirenes, que não paravam. A situação nunca acalmou, apesar de sabermos que havia muitos soldados a protegerem a cidade. Foi muito complicado. Para mim, tornou-se insuportável psicológica e mentalmente. Foi quando decidi abandonar a minha cidade. E encontrar um trabalho na Europa de forma a que eu consiga também ajudar estes soldados que lutam pela nossa terra. Estava a ser duro demais ver gente a morrer e não poder fazer nada. Eu não suporto. Não aguento. Não aguentei mais. Parti para a Polónia, sozinha. A minha mãe recusou-se a abandonar a terra onde nasceu e onde viveu toda a vida. Custou-me muito, muito, partir assim…”.

Na Polónia, onde o pai, através do seu alojamento, recebe e dá apoio às equipas de ajuda humanitária, Daria pesquisou alojamento na Europa através de um dos sites criados para o efeito (em www.shelter4ua.com/ua é possível encontrar famílias que, temporariamente, recebem refugiados nas suas casas). E apontou Portugal. Quanto encontrou alojamento temporário, procurou trabalho online. Na Ucrânia, Daria trabalhava como tatuadora. E nas suas pesquisas, deparou-se com a Queen of Hearts Tattoos . Sem saber que estava a contactar um dos espaços mais conceituados do país, na área das tatuagens, Daria enviou um email a explicar a sua situação.

“Quando li o email não hesitei. Respondi-lhe de imediato: podes vir. O emprego é teu”, conta-nos Catarina Albuquerque, proprietária das três lojas Queen of Hearts, na Rua da Rosa, na Rua do Alecrim (Bairro Alto), e na Lx Factory.  Catarina recebe nos seus estúdios os artistas mais experientes, a nível nacional e internacional, na arte da tatuagem. Pelos trabalhos de Daria, apercebeu-se de que se tratava de uma jovem, ainda com muito para aprender. Mas não foi um obstáculo. “Vamos começar por dar-lhe formação. A Daria vai ser uma grande artista também”, conta-nos.

Daria, que chega de coração partido, junta-se assim a esta equipa de corações enormes e talentosos. Da equipa faz parte um outro membro ucraniano, embora atualmente com dupla nacionalidade. Vive há 11 anos em Portugal. Mas isso não o impediu de querer juntar-se à guerra quando esta estalou há dias. Os colegas de trabalho dissuadiram-no a custo, mas juntaram dinheiro para que fosse buscar a sua gente à fronteira.
A solidariedade. Em tempos de Guerra.

Daria tem 22 anos. É uma menina. As/os meninas/os deveriam estar e crescer com a família. Mas acaba de aterrar em Lisboa. Sozinha.
Quem precisar de fazer uma tatuagem. Ou apenas dar-lhe um abraço, já sabe onde a encontrar.

Foto: Num lago perto da minha cidade. Porque fotos da guerra, não tenho.

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