Dia Mundial do Sono - Foto Júlia Pinheiro

Dia Mundial do Sono

Confesso que as minhas noites já tiveram “melhores dias”. Houve tempos em que o sono era leve e prolongado. Hoje já é um sono mais difícil. Às vezes é difícil adormecer. E demasiado fácil acordar, nomeadamente quando o despertador está para as sete, mas os olhos abrem às cinco.
O médico Ângelo Fonseca tem uma explicação: a idade. Lá está ela. E também tem alguns bons conselhos. Um deles sigo-o quase religiosamente. Salvo raras exceções, às 23h já estou de cabeça na almofada. É sobre o sono que falamos hoje, Dia Mundial do Sono, com a ajuda do especialista Ângelo Fonseca.   


Estudos mostram que o risco de sofrer de um ataque cardíaco e/ou de um acidente de

viação aumenta nos dias seguintes à mudança do horário de verão.
(O que acontece em Março.) Está correto? Por que razão isto acontece?
São vários os estudos que demonstram uma clara associação entre a falta de sono e um
aumento de acidentes. Mais preocupante ainda, é que na maioria dos casos, o cérebro privado
de sono não tem a perceção de que está cansado e a necessitar de repouso, podendo levar a
consequências catastróficas. Essa é a nossa principal preocupação com pessoas cujas
profissões requerem longas horas atrás de um volante na estrada ou que trabalhem por turnos e
que consequentemente, nas fases de mudança de hora, podem ver o seu período de descanso
prejudicado e a sua capacidade de reação reduzida.
Por outro lado, sabemos que a restrição horas de um sono de qualidade pode levar, em poucos
dias, a alterações metabólicas importantes.

Existem estudos que relacionam o sono (pouco ou pobre em qualidade) a doenças
cardiovasculares e certos tipos de cancro.
Faz sentido associar sono e sistema imunitário?
A falta de sono tem sido associada tanto a doenças infecciosas agudas como ao risco de
doenças crónicas como diabetes e problemas cardíacos. Cada vez mais se acredita numa
associação entre o sono e o funcionamento normal do sistema imunológico.
De facto, verificou-se que o risco de infecções é maior em pessoas que dormem menos de seis
ou sete horas por noite. Vários estudos demonstraram que o sono insuficiente aumenta a
probabilidade de ter constipações ou gripe e que, surpreendentemente, têm uma relação
bidirecional. A resposta imune pode afetar a qualidade do sono e, ao mesmo tempo, um sono
consistente e reparador parece fortalecer o sistema imunológico.
Já a longo prazo, a falta de sono tem sido associada a vários problemas de saúde, acreditando-se que esteja relacionado, entre outros mecanismos, aos efeitos negativos da privação do sono no sistema imunitário. Tudo se resume à inflamação: durante a noite, há uma elevação fisiológica de
marcadores inflamatórios que diminuem para a normalidade, momentos antes de acordar. Em
pessoas que não dormem o suficiente, porém, este sistema auto-regulador falha e a inflamação
persiste durante o dia. Esta inflamação crónica de baixo nível contribui para um risco elevado de
diabetes, doenças cardiovasculares, dor e doenças neurodegenerativas. A inflamação persistente
tem sido associada ainda à depressão, o que pode explicar as altas taxas deste distúrbio entre
pessoas com problemas de sono. Relativamente ao cancro, têm sido realizados alguns estudos
neste campo, sobretudo em animais, demonstrando uma relação por este componente
inflamatório/imune. Não é seguro afirmar, no entanto, que seja um fator causal.

A qualidade de sono é algo que diminui com a idade? E que diminuiu com a pandemia?
Que dicas simples (mas nem sempre muito óbvias) podemos começar por seguir para
melhorar a qualidade do sono?
A qualidade de sono tende a diminuir com a idade, não só pelas alterações hormonais inerentes
às diferentes fases da vida, mas também pelos dias cada vez mais cheios de preocupações que,
se permitirmos, nos impede de dormir à noite de forma tranquila. Isso é um dos fatores que a
pandemia pôs em evidência. Felizmente, existem algumas dicas que podemos seguir para uma
boa noite de sono:
Encontre uma rotina.
O relógio interno do seu corpo segue um ciclo específico de sono-vigília. Ir para a cama tarde
uma noite e cedo na outra desequilibra o seu ritmo circadiano. Tentar recuperar o sono perdido no
fim de semana pode nem sempre ser eficaz e pode resultar em fadiga física e mental. Assim,
adotar um horário de sono diário pode ser altamente benéfico para sua saúde e bem-estar geral.
Evite o exercício perto da hora de deitar
Se se sente esgotado pela manhã, o seu treino noturno pode ser o culpado. Para muitas
pessoas, fazer exercício perto da hora de deitar é a única opção. No entanto, isso pode deixá-lo
mais desperto e agitado por umas horas, o que não será o desejável na altura de ir dormir. Por
isso, caso tenha possibilidade, dê preferência a um treino mais matutino.
Se se sente esgotado pela manhã, o seu treino noturno pode ser o culpado. Para alguns, um
treino à meia-noite ou uma sessão intensiva de ioga muito perto da hora de dormir pode dificultar
o relaxamento do cérebro. Procure terminar o exercício intenso duas a três horas antes de ir
dormir.
Reduza o consumo de cafeína.
A nível cerebral, temos uma substância química chamada adenosina, que se vai acumulando ao
longo do dia e sinaliza o cansaço mental, facilitando início do sono no período noturno. No
entanto, o consumo de café consegue bloquear em parte a ação deste neuroquímico, tão
fundamental para uma noite bem dormida. Como recomendação, sugiro que tome o seu último
café, no máximo, até 6 horas antes de ir dormir.
Reduza o álcool.
O álcool, antes de dormir, pode ajudae a relaxar, mas também pode contribuir para a falta de
sono. Sabemos também que o consumo de álcool consegue afetar, não só as várias fases do seu
sono, como também alterar o seu padrão de respiração enquanto dorme.
Coma menos à noite.
Quando se trata de comer tarde, os pequenos snacks são preferíveis às refeições pesadas, que
podem causar indigestão, que interfere no sono. Evite beber líquidos algumas horas antes de
dormir para evitar idas frequentes à casa de banho a meio da noite, interrompendo o sono, o que
pode levar à sua fragmentação.
Dê tempo a si mesmo/a para relaxar.
Crie uma rotina relaxante antes de dormir – como ler, ouvir música ou fazer alongamentos leves.
Tomar um banho quente antes de dormir pode diminuir a temperatura do corpo quando você
estiver na cama, além de a fazer sentir mais sonolenta e relaxada.
Deixe os seus dispositivos na porta. Pense no quarto ideal como uma caverna pré-histórica:
fresco, escuro e sem gadgets. Todas as fontes de luz podem prejudicar o sono de múltiplas
formas. Se tem o hábito de ver televisão no quarto, esta pode ser a culpada de ter um sono
pouco reparador.
Apanhe um pouco de sol. Expor-se à luz solar natural por pelo menos 30 minutos por dia pode
ajudar a regular seus padrões de sono. Preferencialmente pela manhã, o que pode deixá-lo mais
alerta ao começar o dia. Isto provoca um aumento na produção da famosa “melatonina” quando
fica mais escuro.

Adormecer depressa. É um desejo comum nas consultas? Como é que isso se
consegue?
Pressionados por uma constante necessidade de ser produtiva, a sociedade cada vez mais vê o
sono como uma perda de tempo. Afinal de contas, são 8 horas em que podíamos estar a
trabalhar ou a aproveitar para estar com os amigos ou família. Em vez disso, passamos um terço
da nossa vida a dormir.
Temos que pensar no entanto, que, se o sono fosse prescindível, já teria sido erradicado da
espécie humana ao longo destes milhões de anos de evolução. Temos que aceitar que é parte da
nossa condição enquanto seres vivos.
É, de facto, um desejo de todos adormecer depressa. A melhor ferramenta que temos ao nosso
dispor são as chamadas “medidas de higiene do sono”.

Em que casos é possível “tratar”/melhorar a qualidade de sono com suplementação
(antes de recorrer aos fármacos).
Quando falamos em qualidade de sono, não estamos a falar apenas de “adormecer” mas sim de
todo o processo “mágico” que acontece durante a noite. Como exemplo, o SAOS (Síndrome de
Apneia Obstrutiva do Sono), vulgarmente conhecido por um “ressonar” intercalado com pausas
respiratórias, é um fator muito comum para uma fraca qualidade do sono, devendo, nestes
casos, procurar-se a observação por parte de um médico especializado na área para a sua
avaliação e tratamento.
Em relação a suplementos, não existe nenhum comprimido fantástico que substitua uma boa
rotina de sono. O primeiro passo é fazermos experiências connosco mesmos e descobrir que
fatores no nosso dia-a-dia têm maior impacto quando chega a hora de dormir.
No que toca à possível suplementação como ajuda ao sono, não seria um conselho prudente da
minha parte listar aqui algumas substâncias que, em casos pontuais, podem ser uma boa ajuda,
pois cada pessoa é única e cada organismo reage de maneira diferente, sem contar que cada
situação merece um olhar atento e individualizado do médico. No entanto, de forma natural e
quase inócua, podemos facilmente encontrar o extrato de valeriana pelas suas propriedades
calmantes e relaxantes. Por vezes, um bom chá (sem cafeína), como tília ou passiflora também
podem fazer uma grande diferença no bom sentido, ajudando a um sono mais tranquilo e
profundo.

 

Médico na Blueberry Clinic, é interno de formação específica em neurologia no Hospital Pedro Hispano
Foi médico interno no departamento de doenças não transmissíveis na Organização Mundial da Saúde, Geneva Headquarters. Estuda Medicina Funcional no Institute for Functional Medicine.

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