Preso no estrangeiro

Leandro é o menino da família

Maria Ferreira caminha para os 60 anos. Sem o filho por perto. Iludido pelo dinheiro fácil, Leandro está preso a sete mil quilómetros de distância da terra que o viu nascer há 30 anos. Esta é a história de uma mãe que não quer desculpabilizar os erros do filho, só o quer mais perto.

O Leandro é o meu filho mais velho. O primeiro e único de uma relação que terminou quando eu ainda estava grávida de três meses. Apesar de ainda amar o meu marido, uma traição fez com que preferisse ficar sozinha e afastei-me. E afastei o Leandro também. Arranjei outro companheiro quando o meu filho tinha apenas dois meses e ele sempre tratou o Leandro como um filho. Tivemos mais quatro filhos. Aos seis anos, contei a verdade ao Leandro, expliquei que o meu marido não era o pai dele. Ele compreendeu. Sempre tiveram uma ligação muito forte. O Leandro era uma criança dócil, muito meiga, acarinhada, era o menino da família. Era um bom aluno, mas não gostava da escola, por isso resolveu concluir o 5.º ano e, aos 15 anos, inscreveu-se num curso profissional de informática. O curso não lhe enchia as medidas, então decidiu, aos 17 anos, ir trabalhar para o restaurante que tínhamos.

Eu sempre fui bastante rigorosa com ele, mesmo em relação a horários. Até à maioridade, ele tinha que estar em casa até à meia-noite, ou, o mais tardar, uma hora da manhã. E nunca foi um adolescente revoltado. Era um jovem namoradeiro e, aos 18 anos, foi morar com a namorada.

Dinheiro no bolso

Ainda estava a trabalhar no restaurante quando comecei a estranhar o facto de o meu filho ter boas roupas, carro bom (apesar de não ter carta de condução), dinheiro no bolso. Começou a chegar-me aos ouvidos, através de amigos e do irmão, que o Leandro estaria a traficar droga. O que é que eu fiz? Confrontei-o. Lembrei-o de que a minha irmã, a madrinha dele, morreu de overdose de heroína. Quis fazê-lo ver que é um assunto muito sério. Cheguei a bater-lhe por estar tão revoltada. Ele chorou e assumiu que vendia. Foi aí que ele decidiu abandonar o trabalho no restaurante e procurar outro emprego. Mas a realidade foi bem diferente. Ele telefonava-me todos os dias porque sempre tivemos uma ligação muito forte. Além disso, tem uma adoração pelos irmãos (filhos que tive com o homem a quem me juntei depois do pai do Leandro). Ele é um rapaz muito meigo, que tem muitos amigos, mas o dinheiro fácil desviou-o. Aparecia uma vez por semana lá em casa e, apesar de me oferecer dinheiro, nunca aceitei. Às vezes, ligava-me de Espanha, de Marrocos e de outros destinos. Eu percebia o que se passava e vivia amargurada. Nunca percebi o porquê. O meu filho sempre teve tudo, nunca passámos fome. Sempre tentei dar o melhor aos meus filhos, e o Leandro não era um jovem materialista. Porém, assim que o dinheiro apareceu, deslumbrou-se por comprar coisas.

Um choque

Durante uma dessas viagens que ele costumava fazer, recebi um telefonema. O meu filho estava preso em Marrocos. Foi libertado dois dias depois, não sei bem como, nem por quem. Telefonou-me assim que saiu a dizer-me que ia passar uns dias a Londres. Disse-me que seriam umas férias e pediu que não me preocupasse. Ainda me recordo de me ter dito que me amava muito e que eu era a sua princesa. Uns dias depois, sou confrontada com outra notícia: a embaixada portuguesa em Londres contactou-me. O Leandro tinha sido apanhado com um quilo e tal de cocaína no aeroporto. Foi um choque! Eu estava ali a trabalhar, de forma honesta, para dar condições aos meus filhos e pagar a casa arrendada. E recebo uma chamada de muito longe para me dizerem que o meu filho estava preso por tráfico. É um desgosto muito grande! O Leandro foi preso aos 23 anos, juntamente com a namorada, que ficou na ala feminina, numa prisão londrina, a cumprir uma pena de um ano e meio. Cheguei a ir visitá-lo. Ele mostrava-se disposto a mudar de vida. Depois de ter cumprido a pena em Londres, regressou a Ermesinde. Muito pouco tempo depois, percebi que o meu filho tinha voltado ao tráfico.

Venezuela

Disse-lhe que não contasse mais comigo. Desgostos em cima de desgostos. Surgiu, entretanto, uma nova namorada, uma rapariga que queria tudo do bom e do melhor. E o Leandro queria dar-lhe um mundo de luxos. Mas a verdade é que, algum tempo mais tarde, após a ausência do Leandro, procurei-a e nem ela tinha notícias… Eis que surge um telefonema da embaixada portuguesa na Venezuela. Recordo-me de a minha filha atender o telefone.

Desmaiei quando recebi a notícia. Fui levada para o hospital porque tenho problemas cardíacos e uma angina de peito. Acima de tudo, é uma dor muito grande ver um filho de ouro a cometer erros tão graves. Ficou preso na prisão venezuelana El Rodeo II, no estado de Miranda, e foi condenado a cumprir uma pena de 12 anos. Foi detido no aeroporto de Maiquetía, no estado de Vargas, por ter consigo 35 embalagens de tipo ‘dedeira’, confecionadas em látex, de cor branca (cocaína), transportadas no interior do organismo. Assim descrevia a sentença. Os 12 anos de pena só terminam no dia 7 de maio de 2023.

Na quarta prisão mais violenta do mundo

Em Portugal, foi solicitada a revisão de sentença estrangeira para que produzisse efeitos no nosso país e para que o Leandro possa cumprir o resto da pena aqui. Já foi enviada pelo Tribunal da Relação uma carta rogatória no sentido de o Leandro ser notificado. Ao que parece, ele ainda não foi notificado das cartas rogatórias enviadas pelo tribunal português. Da parte do Tribunal da Relação, tudo tem sido feito, e em conformidade. Por parte da embaixada portuguesa na Venezuela, têm falado com o adido social e cultural da embaixada de Portugal em Caracas, que se mostra sempre muito disponível e se prontifica sempre que pode para ir ver o Leandro.

Relativamente ao consulado, nunca obtiveram resposta aos emails no sentido de poderem averiguar e ajudar a saber o que se passa com o Leandro relativamente às notificações. Só falei com o meu filho dois meses depois de ele ter sido detido. Foi quando o deixaram fazer telefonemas. Ele sabe que errou, e eu sofro muito por saber que ele está a viver um inferno naquela prisão, que é considerada a quarta mais violenta do mundo, e que tem 1200 reclusos a mais em relação à lotação máxima permitida! Tenho feito tudo o que está ao meu alcance. Contactei um advogado português na Venezuela.

Todos os meses, envio cerca de 200 euros para o meu filho, porque só com dinheiro ele consegue telefonar ou comer. O meu filho tem 1,94 m e pesava 105 kg. Hoje está com cerca de 70 kg. Já esteve na enfermaria devido a uma infeção pulmonar, e até já me ligaram a informar de que estava acorrentado. Sempre que ele me telefona, implora muito para que o tire de lá. Vivo numa grande angústia e estou a lutar muito para tentar trazer o meu filho. Ele errou e tem que pagar, mas que cumpra a pena em Portugal, é tudo o que desejo. No meu coração, sinto que o Leandro vai refazer a sua vida depois desta provação.

 

 

 

 

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