Jesualdo Ferreira: Um português no Qatar

“Ferreira, Ferreira, may I?”

Acho que nunca tirei tantas fotografias com adeptos como agora.

Mesmo estando atualmente no Qatar, desde que treinei o Zamalek Sports Club, no Egito, continuo a sentir o carinho dos seus adeptos. Apesar de os seus adeptos estarem proibidos pelo governo de entrar nos estádios, o seu carinho pelos clubes é superior. E eu continuo ainda hoje a senti-lo. Encontro adeptos egípcios em espaços públicos e continuo a sentir-me querido por eles. No Egito, respeitam muito quem lhes faz bem, e talvez seja por termos conseguido vencer o campeonato, em 2015, que eles me tratam assim. “Ferreira, Ferreira, may I?”: é assim que se dirigem a mim. E aprendi que, em árabe, fotografia se diz algo como “sora”. É a palavra que mais oiço.

Na Europa, só senti um carinho idêntico quando estive na Grécia a treinar o Panathinaikos. Na história do clube, só um treinador é que teve uma música cantada pelos adeptos: eu. Demorou algum tempo até que percebesse que a música era para mim, porque não percebo a língua e estava absorvido pelo jogo. Eles cantavam cada vez mais alto, e costumava ser a minha equipa técnica que vinha avisar-me para que eu agradecesse com um gesto, um aceno. A Grécia deixou-me muitas saudades, mesmo. Não sei muito bem porque é que os gregos sentem esta ligação pelos portugueses, mas acho que foi por terem sido campeões europeus em Portugal, no Euro 2004. Prova disso é que depois de mim já estiveram mais três treinadores portugueses na Grécia.

Agora estou no Qatar, a treinar o Al-Sadd Sports Club. O calor nem sempre é fácil, as diferentes culturas e religiões já não são coisas que me incomodem. Afinal de contas, já há 42 anos que sou treinador, e não foram poucas as vezes que saí de Portugal. Estive em Angola logo em 1989, depois de ganhar o campeonato nacional pelo Benfica juntamente com o Toni. Encontrei um país diferente daquele onde cresci e que deixei com a guerra. Mais tarde, estive em França, pelo Bordeaux. A adaptação foi fácil, pela língua e pela proximidade cultural, mas ainda assim difícil, porque para nós, portugueses, em França, não há uma grande recetividade. Um pouco à semelhança do que escreveram sobre nós agora no Euro 2016, somos considerados para trabalhos menores. Nestas situações, a arma perfeita é ter a força e a capacidade para vingar e apresentar bons resultados. Ainda passei por Marrocos, onde tive o primeiro contacto com a cultura árabe. Não é fácil sair do conforto de nossa casa, mas foi lá fora que fui mais bem recebido e festejado. Mesmo depois de em Portugal ter passado pelos três grandes com excelentes resultados.

 

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