Metade sueca, metade portuguesa, Alexandra Ahndoril conta-nos a sua história.
Os meus pais conheceram-se no início dos anos 60, o meu pai era marinheiro e eles começaram a corresponder-se por carta. Dois anos mais tarde, quando o barco do meu pai passou por Portugal, casaram-se. Mudaram-se depois para a Suécia. Nasci então eu e os meus irmãos. Lembro-me da voz da minha mãe quando a ouvia falar português. O tom de voz tornava-se mais quente, suave, e eu também queria aprender a língua. No entanto, naquela altura os médicos diziam que as crianças não deveriam aprender mais do que uma língua, pois iriam ficar confusas.
O desejo de aprender português e a tristeza de não estar mais perto das minhas raízes acompanharam-me a vida inteira. Sempre ouvi fado e tentava visitar Portugal quando podia. A certa altura da minha vida, decidi estudar português na universidade. Correu tudo bem e comecei então a escrever a minha tese sobre Fernando Pessoa, o poeta que mais admiro. Já que não existem muitas traduções das obras de Pessoa para sueco, tive de fazer as minhas próprias. Foi bastante difícil, mas incrivelmente maravilhoso para aprender a língua. Infelizmente, não tinha ninguém com quem praticar (a minha mãe vive noutra zona da Suécia) e por isso tornei-me boa a ler e a escrever em português, mas não a falar… Depois, eu e o meu marido começámos a escrever policiais juntos, eu tive de abandonar a minha tese e deixar de parte o mundo académico pela alegria de me sustentar através da escrita.
Definitivamente, sinto-me um pouco portuguesa. Pareço uma portuguesa e sinto-me em casa em Portugal. Tenho aí uma grande família. A vila de onde a minha mãe é natural chama-se Cabeça das Mós, perto do Sardoal. É um local magnífico, eu e o meu marido passámos lá a nossa lua de mel, nos pacatos vales daquela região. Também adoro a costa portuguesa, Peniche e a Foz do Arelho, onde há uns anos arrendámos uma casa. Mas, acima de tudo, amo Lisboa. Há um ano que temos aí um apartamento, na praça de São Paulo. Ali tudo é cheio de música e autenticidade. Há tantos restaurantes tão bons, já para não falar no Mercado da Ribeira, onde toda a família tem diferentes pratos favoritos. Escolhemos uma mesa e cada um corre ao seu favorito. Este verão foi maravilhoso − com a febre do futebol (eu adoro futebol) − e todos dançámos de alegria quando Portugal ganhou, de forma muito justa.
Há uns anos, fomos a Portugal promover um dos nossos livros e levámos os nossos filhos pela primeira vez. Foi uma grande viagem para eles, viram que têm uma grande família, tiveram contacto com as suas raízes. Voltaram para Estocolmo cheios de orgulho a dizer: “Um quarto de mim é português.”
Sempre fomos uma família de contadores de histórias, e crescer com saudades da “terra” faz as fantasias ganharem vida. Escrever significa que estamos a usar tudo o que temos: as memórias, os sonhos, coisas que tememos, que desejamos…
Se alguma vez tive uma reação engraçada quando as pessoas se aperceberam de que era portuguesa? Uma vez, numa festa, um homem perguntou-me se eu sabia cantar Coimbra assim que ouviu dizer que eu era portuguesa.
Escritora que forma com o marido a dupla de sucesso Lars Kepler (pseudónimo), na Suécia, fala sobre a sua faceta portuguesa