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A vitória da misoginia

Por Gonçalo Castel-Branco, voluntário na campanha de Clinton durante as eleições americanas

“Disse dezenas de vezes por dia aos meus voluntários: estou aqui porque, apesar de estar longe, a minha filha tem televisão, e o que aqui acontece importa”

“Nunca duvidem de que são poderosas, valiosas e merecedoras de todas as oportunidades do mundo”, disse Hillary Clinton no seu discurso final da eleição que acabou de escolher Donald Trump para presidente americano. Estava a dirigir-se a todas as raparigas que estivessem a vê-la a entregar mais um elegante testemunho político de uma mulher que foi elegante até ao fim, apesar de ter pela frente um homem menor − misógino, racista e mentiroso compulsivo. Que a frase tenha vindo da pessoa mais experiente de sempre a concorrer à Casa Branca, e que não a conquistou apenas por ter nascido rapariga, é triste. Que ela hoje não seja verdade, é grave e preocupante.

Sou pai de uma rapariga de 12 anos e, tal como Hillary, digo-lhe muitas vezes que poderá ser o que quiser na vida.

Mas, como os nossos filhos têm uma tendência para acreditar mais nas nossas ações do que nas palavras − e já que sou estratega político com cinco vitórias em cinco campanhas em três países −, acabei por me juntar à campanha Clinton, onde fui responsável por gerir e motivar uma equipa de centenas de pessoas.
Disse dezenas de vezes por dia aos meus voluntários: estou aqui porque, apesar de estar longe, a minha filha tem televisão, e o que aqui acontece importa.

Perdemos.

Podia escrever muito sobre as razões − por exemplo sobre os 72% de homens brancos sem curso superior que votaram Trump, dizendo alto e bom som que as suas filhas e mães e irmãs merecem ser tratadas como animais de quinta. Ou sobre os 62% dessas filhas e mães e irmãs que aparentemente concordaram. Mas não é isso que me preocupa hoje − é a minha filha.

Porque cada um de nós tem a obrigação e a responsabilidade de seguir o exemplo de Hillary, combatendo a misoginia e o privilégio masculino, em primeiro lugar, em casa. Cada um de nós precisa de educar filhas que não só podem crescer com os mesmos sonhos que os nossos filhos, mas que exigem aos seus irmãos, amigos e namorados que acreditem no mesmo. Cada um de nós precisa de sentar os nossos filhos em frente a uma televisão, apontar para Donald Trump e dizer: “Tu és melhor do que isto. Não, isto não é aceitável. Não, sucesso não é isto. Não.”

Não aconteceu desta vez, e devia ter acontecido. A melhor pessoa perdeu, e com ela perdemos todos.

Mas sei exatamente o que quero dizer à minha filha quando o meu avião aterrar em Portugal − que estive do lado certo da história. Que prefiro perder a campanha do lado certo do que ganhar a campanha do lado errado. E que a mulher mais preparada da história da política americana, no momento mais triste da sua vida, me pediu que lhe lembrasse que é poderosa, valiosa e merecedora de todas as oportunidades do mundo.

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