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Um Pai no Natal

 

João Dantas tem 31 anos e é arquiteto. Dimas Guerreiro tem 21 anos e está a aprender jardinagem.

João tem dois filhos, de um ano e dois anos e meio. Dimas mora na Quinta Essência, uma associação que recebe pessoas com dificuldades no desenvolvimento mental. O que os une?

“Quem és tu?”

Em 2008, com 23 anos, fui fazer pela primeira vez um acampamento da Candeia. Na Candeia, fazemos campos de férias e outras atividades com crianças e jovens que vivem em instituições. Fui como voluntário pela primeira vez nesse verão e conheci o Dimas. Ele veio ter comigo e disse-me: “Quem és tu? Vou dar-te uma facada!” Foi este o primeiro contacto que tive com ele. Demos a volta a esse primeiro contacto e primeiro impacto. E demos a volta também à revolta interior que ele tinha. Criámos uma relação especial. Também foi na Candeia que conheci a minha mulher, e ela também gostava muito do Dimas. O Dimas tem dificuldade intelectual e a nível do desenvolvimento. Além de tudo isso, é oriundo de uma família completamente disfuncional. Tem cerca de nove irmãos, alguns deles estão presos e não são todos filhos do mesmo pai. No ano em que o conheci, encontrava-se numa casa de acolhimento e estava muitas vezes prostrado e muito medicado para que se mantivesse calmo e controlável. Os outros miúdos no acampamento tomavam conta dele. Foi sempre uma criança grande, agora com um metro e 90 centímetros, cem quilos. E andava sempre com ar de desconfiança, apesar de ter um interior tão bom. Usava uma capa, um escudo, com que se protegia dos elementos externos. Em 2011, deixei de fazer campos de férias e estive a trabalhar fora do país, em Londres. Perdi o contacto com ele, até que a certa altura recebi um telefonema.

“O Dimas está muito triste”

Houve um dia em que uma professora da Quinta Essência me telefonou a dizer que o Dimas estava muito triste. Fui até lá, e lembro-me de lhe levar uma prenda. Reaproximámo-nos então. Em 2014, a poucos dias do Natal, pediram-me que fosse vê-lo de novo. E decidi levá-lo para passar a consoada no Norte, com a minha família. Na altura, liguei para a minha tia, que estava a preparar tudo, e que ficou sem perceber muito bem o que se passava. Mas a sua reação alterou-se assim que o Dimas chegou. Foi muito especial. De alguma maneira, dá outro sentido ao Natal ter connosco alguém que não tem o que nós temos. Depois desse Natal, a minha família pergunta sempre se vamos levar o Dimas. Mas não é só em dezembro que ele faz parte das dinâmicas da família.

 

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“Está tudo ótimo e maravilhoso”

O Dimas está connosco praticamente fim de semana sim, fim de semana sim. Primeiro começou por vir apenas jantar ou passar parte do dia, depois começou a dormir cá em casa, e agora já fica o fim de semana inteiro. Vou buscá-lo e ele faz o que nós fazemos. Faz as refeições connosco, passeamos, vai a convívios com os nossos amigos. Costumamos perguntar-lhe se está a gostar e ele diz sempre que está tudo ótimo e maravilhoso. Brincam os três − o Dimas e os meus dois filhos. Montam legos, veem televisão. E é muito engraçado, porque muitas vezes é o Dimas que medeia as discussões entre as duas crianças. Uma vez, num almoço cá em casa, estavam umas dez crianças, e a minha filha mais velha, com dois anos, foi sentar-se ao colo do Dimas. É a ele que escolhem na hora de buscar proteção. Gostam imenso dele, e a Carlota até já pergunta: “Vamos buscar o Dimas?” Toda a gente à nossa volta apoia imenso.

Um pequeno passeio, uma grande alegria

Uma vez, levei-o a dar uma volta de mota. Tinham-me, mais uma vez, ligado a dizer que o Dimas estava muito triste. Levei-o então a dar uma volta de mota, nas traseiras do meu prédio, um passeio muito curto. Contaram-me que, na semana seguinte a esta experiência, o Dimas parecia uma pessoa completamente diferente. Isso basta-me! O agradecimento dele é secundário. Neste verão, o Dimas foi ter com a família ao Algarve e regressou meio descontrolado. Não sabemos porquê. E não tento saber. De vez em quando, falo com ele e tento fazê-lo perceber que a família lhe dá aquilo que pode. Digo-lhe que deve desfrutar dos amigos que tem. O Dimas deve ter muitos fantasmas dentro dele, procuro não os despertar. Procuro trazer coisas boas para a vida dele. Não quero que ele ande a remexer nas más.

O Dimas é uma lição de vida

 

Estas crianças são, regra geral, muito mais autênticas, não têm os filtros que nós vamos recebendo à medida que crescemos. O Dimas tem, por exemplo, um sentido de justiça enorme. Lembro-me de estar no campo de férias e de ele revelar saber o que é justo e injusto. Além disso, é um amigo, é um bem-disposto, e é uma lição de vida para mim. Aprendi com o Dimas (e com as crianças da Candeia) que nos queixamos da vida que temos mas que… podia ser pior. O Dimas é um exemplo de vida − consegue, apesar de tudo, ser feliz. É assim que ele me ajuda: a dar sentido à vida! Mais gente pode fazê-lo, sair da sua zona de conforto e ir até às casas de acolhimento para conhecer crianças como o Dimas e outras. E ajudar com o simples gesto de os terem consigo, seja no Natal ou noutra altura qualquer. Há sempre lugar para mais um à mesa.

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