O que acontece ao nosso filho quando morrermos?

António Calisto tem 83 anos e a mulher, Maria Emília Calisto, 80. Têm um único filho. Miguel, de 53 anos, está reformado e é bipolar. A maior preocupação destes pais é quem cuidará do filho quando eles já não o puderem fazer.

“Tenho um filho, o Miguel. É engenheiro e é doente, é bipolar”, começa por nos contar António.

Quando Miguel tinha 50 anos e uma carreira como engenheiro na Refer, passou um mês internado no hospital. Quando ficou melhor, voltou à empresa. Tinha sido substituído. “Puseram-no como bibliotecário, a catalogar livros. Foi uma situação muito delicada, ele foi-se muito abaixo”, conta-nos o pai.

E, aqui, foi o começo do fim. Depois de uma carreira de excelência e de boas referências, foi necessária a intervenção de um advogado para orientar a situação, e, estando Miguel a entrar numa espiral de doença e apatia, estes pais foram obrigados a pedir mais ajuda.

Miguel recebe agora o apoio dos irmãos de S. João de Deus e da Fundação São João de Deus. Foi encaminhado para a fundação como voluntário, onde agora passa os seus dias. “Tivemos uma reunião com o irmão Vítor e o meu Miguel começou depois a trabalhar com a Dra. Susana, que o tem acompanhado bastante”, refere António.

Frequenta as instalações todos os dias, menos às quartas. “Vai fazendo os trabalhos, filmes, traduções… Mas nada de engenharia”, continua António.

A infância difícil de Miguel

Miguel foi sempre bom aluno, mas a meio do curso de engenharia foi empurrado para consultas de psiquiatria. Consultas essas que não mais tiveram fim. Só muito mais tarde, há cerca de 10 anos, foi diagnosticado com bipolaridade. De psiquiatra em psiquiatra, a medicação vai sendo alterada. Alterações que se traduzem num desequilíbrio que já levou Miguel ao repouso absoluto devido a medicação demasiado alta.

António, ex-militar, partiu para o Ultramar no ano de 1961 e só voltou definitivamente a casa em 1974. Passava dias de férias em casa mas considera que o filho Miguel só conheceu o pai quando já tinha 10 anos. Foram dez anos em que Miguel viveu apenas com a mãe, e António condena-se, afirmando que parte do problema de Miguel advém da escassez de figura paternal. “Sei que lhe fiz muita falta…”, lamenta-se.

António recorda ainda os tempos de escola do filho, em que este era maltratado pela professora, situação que os pais só descobriram recentemente. “Eu só soube há uns três anos. Apesar de o termos colocado numa escola privada, a professora batia-lhe muito… O meu Miguel passou um mau bocado. Diz-me a minha mulher que, quando era a altura de voltar à escola depois das férias, ia dar com a almofada toda encharcada em lágrimas.”

O problema é o futuro do Miguel

Miguel consegue levar uma vida mais ou menos normal. Está na Fundação São João de Deus, o que o mantém ocupado, vive em casa própria, perto dos pais, para ser auxiliado, frequenta cafés e restaurantes perto de casa, onde já o conhecem e é autossuficiente. Mas não sabe administrar os seus bens, o que constitui a maior preocupação destes pais. Pode ser facilmente ludibriado e os pais temem que lhe seja extorquido dinheiro, como já sucedeu.

“Neste momento, o Miguel está reformado, mas eu ando muito preocupado… Quando eu e a minha mulher morrermos, o que acontece ao Miguel?”, questiona-se António.

“Precisamos de alguém que administre os bens que lhe vamos deixar. Não queremos que alguém se aproveite dele e fique com os bens e as propriedades. Porque é uma realidade bem possível. Se lhe pedirem uma camisa, ele dá a que tem vestida. Ele é bom demais, não tem força para administrar bens, uma vida…”, lamenta o pai, desesperado por ajuda.

Sem familiares de confiança ou qualquer descendência, Miguel está entregue a si próprio, mesmo que não saiba cuidar de si. “O meu filho é muito simples, talvez simples demais. A história triste do meu Miguel é esta”, termina António.

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