Andámos a apanhar mentiras. E tivemos a tarefa facilitada no mercado de procura e oferta de emprego.
Mas afinal o que leva às empresas a mentir aos candidatos?
Anabela procurava um part-time que lhe permitisse pagar as propinas da faculdade. Quando se deparou com um anúncio na área da moda destinado a jovens estudantes de psicologia, pensou: este anúncio é para mim. Candidatou-se e, descurando as boas práticas aconselhadas por entidades como a Autoridade para as Condições do Trabalho, compareceu na entrevista sem antes fazer uma pesquisa sobre a empresa na internet. Ofereceram-lhe boas condições de trabalho.
E, no dia seguinte, uma base de dados da dimensão das Páginas Amarelas. Teria de contactar meio mundo para ‘vender’ um book fotográfico. E bastava seguir o guião: “Quer ser ator ou vir a ganhar muito dinheiro fazendo anúncios de televisão? Faça um book connosco no valor de 400 euros.”
Anabela estava decidida a iniciar funções. Mas quis saber mais sobre a probabilidade de sucesso dos jovens e adultos que pagavam aquele valor. “A resposta nunca chegou, da parte do administrador carrancudo. Limitou-se a dizer: venda se quer continuar na empresa.” Anabela esperou para ver.
E não gostou do que viu: “No dia seguinte, saíram alguns jovens do gabinete. Pelo aspeto físico, desconfio muito das suas oportunidades na passerelle. E tive pena dos pais, que pagaram com esforço um dos books de um jovem que era seu filho.” Anabela saiu da empresa FAMA. E com ela, uma outra colega, mais velha. Falou-lhe do corrupio de “colaboradores que entram e saem daquela empresa”. “Promessas falsas de vingar no mundo da moda”.
Quatrocentos euros é dinheiro fácil e garantido. “A empresa dizia aos potenciais candidatos a modelos que estava no ranking do Google e que era facilmente selecionada para ‘fornecer’ rostos para televisão e cinema”, conta Anabela. E os candidatos, atraídos pelas ofertas de emprego, embarcavam numa política que os profissionais na área apelidam de “enganadora”.
A opção mais sensata para quem pretende seguir a carreira de modelo, sugerem os próprios profissionais da área, é fazer um casting numa agência de modelos, que, em caso de interesse, pagará o book do candidato.
Procura-se: Vergonha
A crise tem trazido ao mercado de trabalho situações de oportunismo e vagas que não correspondem de todo ao anunciado. É este tipo de mentiras que a plataforma Ganhem Vergonha denuncia: “Trabalho não remunerado, falsos estágios, falsos recibos verdes, postos de trabalho encapotados com ‘voluntariado’, situações de falta de pagamentos, concursos que se aproveitam do trabalho de muitos e remuneram apenas o(s) vencedor(es), etc.”
Em relação a casos em que recrutadores tinham objetivos diferentes dos anunciados, mentindo sobre os mesmos, também já denunciaram. “Muitas empresas de venda porta a porta, por exemplo, publicam ofertas dirigidas a áreas como o secretariado, o marketing ou a psicologia. E quando os candidatos chegam à entrevista percebem que os cargos em oferta são outros. Alguns trabalhadores sentem-se enganados, como é natural.”
O caso da empresa que pedia contribuições aos estagiários
A associação Precários Inflexíveis acrescenta que existem situações ainda de maior gravidade, mencionando o caso da Work4You, empresa que procurava emprego para estagiários a troco de contribuições monetárias dos próprios. “É um caso conhecido, que evidencia como os limites para o abuso estão cada vez mais esticados. Mas não é caso único, e temos tido contacto com várias situações de completa ilegalidade e exploração das pessoas.”
O que leva estas empresas a fazerem anúncios que não correspondem à verdade? A plataforma Ganhem Vergonha acredita que algumas empresas consideram que o que oferecem nas suas vagas “não é suficiente para motivar candidatos. Outras acreditarão que a ocultação da informação lhes trará uma vantagem concorrencial. Ou então a sua intenção é outra que não a contratação de um trabalhador. E, claro, haverá também casos de entidades que terão alguma ilegalidade a esconder”.