Estima-se que um em cada 151 portugueses (ou 7 em cada 1000) tenha doença celíaca. Nesta edição, apresentamos o caso de Beatriz, de 16 anos. Recolhemos os bons conselhos de Almerinda, a mãe, para lidar com esta doença na adolescência.
E vai concordar comigo: são realmente bons conselhos.
Almerinda Nascimento é uma mulher ocupada. Foi difícil chegar até nós e conciliar agendas. No entanto, quando a apanho ao telefone, mostra uma boa disposição contagiante.
Essa desenvoltura traduz-se na voz quando fala da sua filha Beatriz, de 16 anos, a quem foi diagnosticada, em 2013, doença celíaca. “Sendo jovem, não tinha os sintomas típicos de quem sofre de uma doença celíaca”, relata Almerinda. “Obstipação, barriga saliente e inchada, não tinha nada disso.”
Os sinais eram diferentes. “Sofria de algum cansaço, os professores indicaram que estava com alguma falta de concentração. Tirando isso, a Beatriz parecia perfeitamente saudável.”
Foi preciso uma panóplia de exames, pedidos pela médica pediatra – ecografias, hemogramas, eletrocardiogramas, “e outros que nem sabemos do que se trata” –, para verificar que os níveis do anticorpo antitransglutaminase, presente sempre em pacientes de doença celíaca, estavam muito acima da média.
Coincidência?
Foi de uma forma muito casual que uma pediatra amiga de Almerinda lhe disse, na mesa de um café: “A Beatriz pode ser celíaca!” Almerinda achou demasiada coincidência, uma vez que tinha acabado de assistir, na televisão, a uma reportagem sobre o assunto.
Não sendo pessimista por natureza, a família começou logo a tentar adaptar as suas mercearias às necessidades da Beatriz. “Tira-se o pão e as farinhas, mas o verdadeiro desafio é a contaminação cruzada”, explica, referindo-se aos alimentos ou utensílios que entram em contacto com o glúten. “E o sabor de certos alimentos processados para não terem glúten também foi um problema a resolver”, conta.
A ajuda (e inveja) dos irmãos
As mudanças do estilo de vida não foram dramáticas. Pelo menos, do ponto de vista de um adulto. Beatriz, adolescente, por vezes chorava “por não ter nada para comer”. Mas depois os irmãos foram-se adaptando, “gostavam de fazer chás e de estar quietinhos no sofá a ver filmes e a comer a comida dela. Tinham até que negociar as coisas que a Beatriz come”, ri-se Almerinda, recordando. No entanto, havia sempre certas gulodices que tinham de ser invariavelmente diferentes: os irmãos gostavam das massas antigas, com glúten.
Almerinda Nascimento confessa que, no que diz respeito ao orçamento, os custos aumentaram um pouco. Na verdade, para 2,5 vezes mais, especifica. “Uma farinha com glúten custa menos de um euro, enquanto um pacote de quantidade igual sem glúten custa cerca de cinco.” Foi um impacto bastante grande, e Almerinda alerta para o facto de, apesar de a Segurança Social fornecer um subsídio à criança em questão até aos 24 anos, é fácil cair na armadilha de gastar tudo em poucos produtos. “Imagino que para quem tenha ordenado mínimo possa ser ainda mais complicado, mas existem alimentos naturalmente sem glúten, como a carne, o peixe e os legumes.”
A educação é fundamental
E quanto aos amigos de Beatriz? Estranharam, mas, para evitar constrangimentos, a família abordou na altura a turma. Fizeram um vídeo acerca da doença celíaca e acompanharam a apresentação com um pequeno saquinho de “gulodices” sem glúten. Os próprios amigos assumiram a responsabilidade de ter cuidado com o que a Beatriz comia – sempre que vão comprar guloseimas, verificam se estão aprovados pela APC (Associação Portuguesa de Celíacos).
Conselhos aos pais? Almerinda aconselha a encontrar um bom gastroenterologista e um bom médico de confiança: “Na presença de um familiar com diagnóstico positivo, todos os familiares deveriam fazer análises. O meu sogro também tinha sintomas e foi diagnosticado depois da Beatriz.”
“O importante é não privar as crianças da sua vida social e não as encarar como uns coitadinhos”, salienta Almerinda. “Quando vão a uma festa de aniversário a uma hamburgueria, a minha filha ou os próprios amigos falam com alguém do restaurante para saber se usam a placa elétrica da carne para também aquecer o pão (perigo de contaminação cruzada). Ela leva a sua marmita para não incomodar ninguém, mas às vezes são os amigos os primeiros a perguntar se alguma refeição tem glúten e se existe alternativa. São de uma entreajuda e solidariedade fantásticas.”
“Os pais é que têm de encontrar soluções e estratégias. Há limitações, é certo, mas podemos adaptar-nos ou contornar. As próprias crianças aprendem a defender-se. Mas antes é preciso formá-las e informá-las, a elas e aos amigos.”