Crónica de Pedro Chagas Freitas
O que vai ser de mim?,
a mulher, sentada junto à entrada do seu emprego das nove às cinco, as pessoas que passam não ligam,
há tanta gente que passa pela dor e não liga, que gente é esta?,
Há um futuro pela frente e não me encontro nele,
o futuro existe, existe sempre, um dia, depois outro, uma certeza, depois outra, uma dúvida, um anseio, uma angústia, uma paixão, um amor,
o que nos move é sempre o amor,
e o que nos petrifica também,
a mulher sentada diante do seu emprego das nove às cinco, há provavelmente uma lágrima que não se vê mas que está lá, há provavelmente uma impotência,
o que nos magoa mais é quase sempre o que não conseguimos fazer, e que nem assim conseguimos esquecer,
O que vai ser de mim?,
não responde, nem ela, ninguém responde ao que vai ser de si, ao que vai ser de nós,
Precisa de algo, minha senhora?,
um homem mais velho, tantas rugas, tantas histórias como esta, em que também ele ficou sem saber o que seria de si, ou dos seus, terá filhos, com certeza, netos, quem sabe?,
Não, obrigado, obrigado,
mentimos para nos preservarmos e é a mentira que nos mata vezes demais,
a mulher mente, quer sofrer sozinha, pensar sozinha,
a chuva cai mais forte, a chuva lava mais fundo,
a mulher a vê-la cair, a senti-la cair, as pessoas continuam, o senhor mais velho já foi, abanou a cabeça e foi,
Coitada, sente demais,
a mulher no meio da chuva, no meio de si,
o que pode ferir mais do que estar no meio de nós?,
O que tens, mãe?,
uma criança, uma adolescente, mochila às costas, a vida toda às costas, os olhos com o futuro dentro,
O que vai ser de mim?,
pergunta-se a mulher,
Tenho tudo,
responde-se a mãe,
um abraço, um beijo, o futuro será não mais do que aquilo, um abraço, um beijo,
Tenho tudo,
e tem mesmo,
e tem mesmo.