Regresso à Escola

O dia em que tudo muda

História de uma mãe que ganhou uma luta. Uma história de força no dia em que 1,5 milhões de alunos regressam às aulas 

Aquele dia parecia igual a todos os outros. O mesmo caminho para o emprego, o mesmo emprego (que Mónica sempre adorou – Secretária de divisão de um Centro Atendimento e Intervenção nos Comportamentos Aditivos e Dependências ), a mesma hora de entrada, as mesmas escadas íngremes e geladas do 9º andar que  Mónica Baptista julgava conhecer como a palma da sua mão e as quais subia e descia com frequência, dada a lotação do elevador.

“Nesse dia, como sempre e cumprindo um ritual (in)falível, desci as escadas. E num segundo escorregadio, caí. Aquele segundo iria atraiçoar-me uma vida inteira. Não voltei a conseguir mexer-me até à chegada do INEM e durante essa hora em que estive de mão dada com a minha irmã, que entretanto chegara, recordo-me das mil imagens que iam passando em loop pela minha mente: o meu filho de quatro anos precisa das minhas pernas.  Era maio 2014.

Entre lágrimas, já no Hospital de Santa Maria, acumulavam-se os relatórios na maca que ocupava: traumatismos dos pés à cabeça. E dores insuportáveis. Segunda-feira haveria de conseguir regressar à vida normal, dizia um médico. Impensável, dizia outro. Tem fratura. Não tem. Entre raio X e vai e vem de opiniões, encontrei um anjo que me deu a má notícia: fraturas e um desvio do cóccix que não permite consolidação de fraturas. Ou seja, não é possível estar, nem durante minutos, sentada nem em pé. E a resolução não tem luz ao fundo do túnel, pois ao que parece, não há experiência do caso (remoção da peça coccígea) em Portugal.

Quem me conhece sabe o quanto adorava aquele trabalho. O quanto adorava trabalhar e o quanto o termo “ incapacidade permanente absoluta” veio destroçar a minha vida.

Chorei durante dias. E perguntei: e agora? Quem me conhece sabe que não sou de parar, de esperar que chegue… isso deprime-me, entristece-me e enfurece-me, não faz parte de mim!

Aos 40 anos, aguardar pela reforma da Caixa Geral de Aposentações, parece o fim. E por isso, no meio da dor e da tristeza que passei a confiar dias inteiros ao meu sofá, veio a depressão.

E não veio sozinha. Como se costuma dizer um mal nunca vem só. Depois veio também uma junta médica e uma carta da Caixa Geral de Aposentações a atribuir-me apenas 10% de incapacidade. Para grande surpresa dos meus especialistas em coluna e neurocirurgião que desde então me têm acompanhado e defendido em recursos. Uma pessoa passa 20 anos a trabalhar para o Estado e depois ele não nos apara a queda.

Há uns meses, antecipando o regresso à escola do meu filho, dei por mim a olhar me ao espelho. Tinha que me “levantar”. Tinha que fazer algo por mim. Os meus não podiam e não mereciam continuar a assistir ao meu dilúvio.

Um dia a minha vida mudou porque eu caí no meu local de trabalho. Por que não haveria de mudar o meu comportamento também… um dia? Basta, disse. Passaram quatro anos. Ainda aguardo a minha reforma, que nem Dom Sebastião. E sei que vou esperar sentada/deitada, porque as dores não me dão alternativa.
Mas hoje, focada no regresso à escola do meu filho e nos meus amigos e família que estão sempre comigo, decidi que estava na altura de parar de chorar.  Hoje fui levar o meu Gabriel à escola, de sorriso e orgulho colado no rosto.

Esta luta ganhei. A outra (quero tanto melhorar!) hei de ganhar. Um dia. Um dia de cada vez.

 

O dia em que tudo muda monica-Batista

Mónica Baptista, mãe de Gabriel

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