Carta Aberta Crianças Especiais

Dia Mundial da Paralisia Cerebral, 2 outubro

O dia Mundial da Paralisia Cerebral é hoje.

Imediatamente pensei em todas as mães que estão a viver o primeiro contacto com esta realidade. Pensei nas coisas que eu gostava que me tivessem dito quando estava na mesma situação. A minha mensagem é para elas. Este texto é para elas.

Crónica de Ana,
Mãe de S, um criança especial com paralisia cerebral. Mãe, de bem com a vida.

 

Em primeiro lugar, tenho de vos dizer que, ainda que neste momento pareça difícil, a alegria, os sonhos, o amor, não acabam com o diagnóstico: paralisia cerebral. Os vossos filhos estão aí, cheios de força e de garra, demonstrando que são uns campeões ou campeãs, da melhor maneira que podem ou sabem. E precisam do vosso amor incondicional. Precisam de sentir que a sua chegada, apesar dos sustos e preocupações, é uma alegria e um momento especial. Eles dependem de vocês, da vossa força, da vossa resiliência, da vossa persistência, do vosso carinho e, não menos importante, da vossa alegria.

Uma vez, uma das muitas vezes em que a S. esteve internada e em que tivemos a confirmação de uma lesão cerebral, houve uma enfermeira que se aproximou e, interrompendo o meu desconsolo e desespero, disse-me: “Ana, a alegria não pode acabar”. E eu pensei, confesso, “Alegria? Mas terá esta enfermeira noção da gravidade do problema?!” Mas a mensagem ficou cá. E quando eu estava preparada, pude realmente compreender que ela tinha razão.

Em segundo lugar, é muito importante saber que, ao aceitar que o nosso filho tem um problema grave, não significa que estamos “a tirar a toalha”, a desistir, a entregar os pontos. Não. Significa que somos conscientes de que existe um problema que precisa de ser tratado da melhor forma possível com vista aos nossos objetivos. Os nossos objetivos resumem-se, como todas as mães sabem, à cura total. E mesmo sabendo que isso nem sempre é possível, não significa que não possamos tentar.  O importante é: nem negar o diagnóstico, nem fazer dele uma barreira ao desenvolvimento e à inserção social e afetiva da criança.

Em terceiro lugar, um conselho: procurem ajuda. Todos precisamos de ajuda. E os apoios têm muitos nomes: terapia, apoio de grupos, família, amigos. Pensem que é normal e saudável os momentos a sós. Vai haver dias duros, extenuantes. É preciso repor energias, chorar, descansar, desabafar com alguém, almoçar ou jantar com boas amigas, telefonar aos irmãos, pedir ajuda às avós, fazer desporto, escapar-se para ler um livro ou ver um filme, o que for mais eficaz. Façam o que puderem para se abastecerem de novas energias e de garra outra vez.

Em quarto lugar, proporcionem o maior número de experiências possíveis aos vossos filhos. É um facto que a paralisia cerebral não é sinónimo de falta de inteligência; pelo contrário. Muitas pessoas com lesão cerebral têm uma inteligência acima da média. O atraso intelectual que muitas pessoas têm deve-se, em muitos casos, não à lesão cerebral, mas à falta de experiências. Imaginem tudo que fizeram desde o vosso nascimento até à idade que têm os vossos filhos. Se eles (ainda) não se podem mover, falar, agarrar, etc. temos de ajudá-los a conhecer e a aprender as mesmas coisas. Vamos ler, falar com eles, cantar, dançar, levá-los a passear, explicar e informar sobre tudo o que os rodeia. Vamos usar todos os recursos possíveis para trazer o mundo até eles, e levá-los a eles conhecer o mundo. Claro que as terapias são importantes; corrijo, elas são fundamentais. As terapias, as consultas, as revisões, os tratamentos, os sistemas de apoio, etc. Mas não podemos esquecer a pessoa que está em formação e que precisa de aprender, conhecer, sentir, viver!

E finalmente, e o mais importante de tudo, simplesmente desfrutem dos vossos filhos. Deixem-se apaixonar pela pessoa maravilhosa que têm à vossa frente, e desfrutem ao máximo. Amem sem barreiras nem reservas. Se repararem, em nenhum momento do texto eu disse que ia ser fácil. Mas posso garantir-vos que vai valer a pena cada momento que passarem juntos, cada objetivo conseguido, cada limite superado. Vai valer a pena, mães.

Photo by Valeria Zoncoll on Unsplash

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