Dia de Cão, por Rodrigo Moita de Deus

Não gosto de gatos. Nem percebo muito bem o fenómeno. Para ter bichos com gosto e prazer em contrariar-me, ter-me-ia casado mais vezes. Mas pronto. São gatos. E há quem goste de gatos.
Percebo. O que não percebo mesmo é esta mania de tratar os bichos como se fossem pessoas. E há cada vez mais gente assim. Para dizer a verdade, não é mania. É histeria. Há uma histeria mais ou menos coletiva para humanizar a bicharada.

No meu tempo havia tosquias. Hoje há hairstyles para cães e gatos. No meu tempo havia restos e arroz. Hoje há rações com cálcio por causa da densidade óssea, com suplementos por causa do fígado ou com fibras por causa do sistema digestivo. E os restos? Os restos nem pensar, que isso é pouco saudável.

Os cães e os gatos agora têm constipações, problemas renais e menopausa. Há check-ups, spas, consultas e champô abrilhantador para o pelo.

E, pasme-se, até há bichos com depressões. Analisa-se a coisa: “Esta semana o Tobias nem parece o mesmo.” E psicólogos, terapeutas e medicação específica. No meu tempo, se o cão estava triste, dava-lhe um osso. Hoje é preciso dar-lhe um antidepressivo e um divã para a regressão de memória do bicho. É toda uma indústria. No final do dia, o cão prefere o osso ao antidepressivo. Mas dar ossos é quase proibido, não vá o animal engasgar-se.

Antigamente os cães chamavam-se Faísca e Snoope. Agora até os nomes são humanizados. A gata Laura e o cão Nicolau. Quando não chegamos ao ponto de ser simplesmente “filhote”. – Anda cá à mamã, filhote. E o filhote tem casaquinho e gabardine para a chuva por causa dos resfriados.

Antigamente só quem não tinha a companhia das “pessoas humanas” é que humanizava os bichos. Para compensar. Era coisa de viúva. Agora já não. É ir ao Jardim da Estrela e ver gente humana com a companhia de gente humana a tratar os animais como se fossem gente também. Estranho. Muito estranho. E péssimo para os próprios. Tenho ideia que os cães gostam de ser cães, os gatos gostam de ser gatos e que preferiam não levar com as tolices das “pessoas humanas”.

Mesmo esta expressão diz quase tudo: “pessoa humana”. Antigamente “pessoa humana” era um pleonasmo. Pessoa, ou era escritor ou ser humano. Agora não. “Pessoa humana” existe por oposição a “pessoa não humana”. Culpa dos juristas que conseguiram criar categoriais para as pessoas. O ser humano ficou menos humano e mais ser como os outros. E os animais passaram de objeto a gente. Se os animais deixaram de ser objetos, os donos deixaram de ser “donos”. Passaram a ser “papás” e “mamãs” dos bichos. E a expressão “dia de cão” perdeu todo o seu valor.

Do abandono dos animais no verão, fomos para os hotéis para os bichos sem passar pela casa de partida. Tudo isto foi muito rápido e acredito honestamente que houve gente (humana) que avariou de vez. Não é mania. É histeria.

 

Rodrigo Moita de Deus
Dono de 5 cães
Blogger – 31daarmada.blogs.sapo.pt

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