A minha mãe tem setenta e seis anos. Continua independente, livre, muito senhora do seu nariz e cheia de opiniões. Olho para ela, sempre com perplexidade e curiosidade. Ninguém a conhece tão bem como eu. E nunca deixa de me espantar.
Continua mais alta do que eu, nem o tempo, nem as muitas maleitas vergaram a sua pose erecta. Tem uma dignidade única e uma autoridade que ainda hoje é difícil combater. Somos mãe e filha, mas mais do que isso, somos pares. É uma mulher inteligente que não percorreu outros caminhos da vida porque na família de origem só existia recursos para um dos filhos fazer estudos superiores. Há cinquenta anos era assim. O meu tio formou-se em engenharia, ela foi ajudar o negócio da família. Muitas vezes tenho-me interrogado até onde teria voado se as circunstâncias lhe tivessem proporcionado outros horizontes. Ela é a minha grande educadora. Devo-lhe a todos os valores que norteiam a minha vida. Foi ela que me ensinou que a realização pessoal se constrói nas conquistas do trabalho e me moldou para ser uma mulher livre. Ainda ao colo dela e muito pequenina ouvi-a dizer todos os dias: “as mulheres têm que ser independentes economicamente. Nunca dependas de um homem. ” Também a ela devo o curso superior que já não queria fazer, porque aos 19 anos já trabalhava numa rádio e quis deixar tudo para me dedicar ao meu percurso profissional. Ela não deixou. E teve a lucidez de me permitir fazer as duas coisas. Não posso estar mais grata. Ao mesmo tempo, queria que eu fosse uma fada do lar , iniciando-me em todas as tarefas domésticas que uma menina casadoira deve dominar. Nesta matéria não foi muito bem sucedida. Nunca lhe chegarei aos calcanhares. A minha mãe noutra encarnação foi um general prussiano. Abre uma gaveta e os objectos alinham -se só com o olhar dela .
Sou filha única. Conheço todas as suas dores e mágoas, partilhei todos os momentos difíceis da sua vida. E ela esteve sempre ao meu lado quando foi a minha vez de sofrer. O dom do amor foi a maior dádiva que me deu. No colo dela recebi todas as certezas para começar o meu percurso na vida. Fui coberta de abraços e beijos todos os dias da minha infância. Foi sábia na minha adolescência e solidária em todas as etapas da minha vida adulta. E nestes cinquenta três anos de vida, disse-me todos os dias quanto gosta de mim. Sou forte, porque ela me fez assim. Hoje, a minha mãe é enganadoramente frágil. Certos dias, ela quer ser a filha e eu a Mãe. Mas eu sei que é fita. Ainda tenho o colo dela e sou prodigiosamente rica por isso.
Não lhe chamo Mãe. Nunca consegui fazê-lo. Nem mesmo quando os meus filhos me gozavam por eu designar a avó deles de uma forma que eles nunca utilizaram comigo. E por isso, hoje dia da Mãe, digo publicamente: Amo-te Mamã !