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Pais que cuidam: Com amor tudo é possível

João, de 34 anos, é oficial da Força Aérea, e Rita, de 33, é técnica superior de Educação Especial e Reabilitação.

Têm três filhos. Mas onde cabem três, cabem… quatro? “Com amor tudo é possível”, respondem.  E o jovem R., de 11 anos, com paralisia cerebral, ganhou uma família.

 Era uma vez…

 Desde pequena que sempre me preguntaram quantos filhos gostaria de ter, e a resposta, invariavelmente, era sempre a mesma: “Aqueles que Deus me quiser dar, mas gostava de adotar um.”

Quando conheci o João, nunca abordámos este tema até ao curso de preparação para o matrimónio, onde nos perguntaram se gostaríamos de adotar. E ele respondeu: “Sim??”, pois nunca tal lhe tinha ocorrido nem sentia esse chamamento da mesma forma que eu.

Já grávida da minha segunda filha, atualmente com oito meses de idade, comentei várias vezes este meu interesse com diferentes pessoas, até que o derradeiro ‘sinal’ sugiu com o texto sobre o projeto dos Amigos p’ra Vida, escrito pela Rosa Amado, do blogue Los Amados, uma mãe muito especial de um filho igualmente especial (e que já foi meu aluno, e daí eu seguir o blogue).

 

A ideia de ser um amigo para a vida de uma criança ou de um adolescente mesmo que não fizesse parte da nossa família fez-me tanto sentido que consegui convencer o João e marcámos uma reunião com a Sofia e a Joana, as mentoras deste projeto. A reunião decorreu no dia 26 de novembro de 2015. Na altura da reunião, e uma vez que referimos que poderia ser, inclusive, uma criança com necessidades especiais, devido à minha profissão, falaram-nos do R., um menino de 10 anos com paralisia cerebral que estava numa instituição.

 

Fomos para casa a pensar nele e nas várias crianças de que nos falaram. Como era difícil ter de decidir quando todos precisavam! No dia seguinte, a caminho do meu local de trabalho, fui a rezar, pedindo a Deus que me indicasse “o caminho”. E Ele fê-lo… Quando ia almoçar com o João ao seu local de trabalho, algo que raramente acontece, passou por mim a carrinha da referida instituição, veículo que eu nunca tinha visto na vida. Daí até conhecer o R. foi uma semana. Foi num contexto de atividade em grupo, sem que ele se apercebesse de que estávamos ali por ele. Até porque a Sofia e a Joana fazem questão de mencionar que deve ser um amor à primeira vista e pode ser que se crie empatia por outra criança ao lado, não havendo qualquer problema com isso. Gostámos muito dele e decidimos avançar.

 

A luz do Natal

Foi na festa de Natal da instituição que houve o derradeiro ‘sinal’ de que tinha de ser o R. Quando lá chegámos, correu para nós e não me queria largar, quis mostrar-me o quarto, tendo mostrado uma foto da mãe, que já tinha falecido (não consegui conter as lágrimas). Parecia que sabia que nós estávamos ali por ele, mas não tinha como sabê-lo. Dois dias depois, ligaram-nos a dizer que o R. não iria passar o Natal com o pai e perguntaram se poderíamos acolhê-lo. Foi o nosso primeiro contacto, contrariando tudo o que se preconiza para um início da relação, logo quatro dias no seio da família mais alargada. Todos o receberam muito bem e parecia que sempre tinha pertencido à família, pela forma como interagia com todos. Nunca nos iremos esquecer do ar de felicidade dele a tomar um banho de imersão ou quando recebia beijos de boa noite de todos os elementos da família.

 

Curiosamente o João sentia que devia dedicar algum tempo ao voluntariado, o que acabou por acontecer com o ‘nascimento’ do R. na nossa vida.

 

O novo mano

 

Os nossos filhos interagiram com o R. desde os primeiros contactos. Gostam muito dele, consideram-no um mano. Nas férias, o Francisco disse: “Mamã, gosto muito de ter duas manas e um mano.” A Constança por vezes chora, porque, ao domingo, não quer que eu ou o João o levemos à instituição. Claro que têm os seus momentos, tal como acontece com os irmãos. Tanto são os melhores amigos como, no minuto seguinte, estão a discutir.

Só os primeiros meses foram mais complicados, porque o Francisco deixou de ser o menino do papá para ter de o partilhar com o R. A Madalena, que o conhece desde que nasceu, dá-lhe sempre um grande sorriso quando o vê chegar, e ele adora-a. Às vezes até se torna chato, de tantos beijos e afetos. O grande desafio é gerir a diferença de idades e encontrar brincadeiras que se adequem a todos sem o R. dizer “que já é grande porque tem 11 anos”.

 

Uma diferença sem diferenciar

 

Na generalidade, as pessoas/amigos/família com quem nos temos cruzado no último ano gostam imenso dele. Acolheram-no como se de um filho nosso se tratasse, tentando envolvê-lo o mais possível. É uma criança que se adapta facilmente a qualquer ambiente e que quer ajudar em tudo (por exemplo, em tarefas domésticas como fazer a salada, pôr a mesa…).

 A forma como a sociedade encara este apoio varia desde o “é de louvar” ao “ é uma loucura”. O facto de ser uma criança com paralisia cerebral, com algumas limitações motoras e dificuldades de aprendizagem, leva a sentimentos contraditórios. Muita gente considera que somos um casal especial porque temos três filhos pequenos e ainda recebemos um quarto elemento, sem qualquer rede de suporte familiar. No entanto, o que fazemos é algo natural para nós, talvez pelas raízes cristãs que temos e que tentamos vivenciar diariamente, sentimos que não há nada de extraordinário em querer ajudar alguém. Neste caso, é só um menino de 11 anos. Será que isto é ser especial? Para nós, é apenas ser normal.

Por outro lado, levantam-nos questões/preocupações tais como “se o R. vai ser autónomo, se no futuro acabará por ser um ‘fardo’ para os nossos filhos, se não estaremos a prejudicar os nossos filhos por o R. precisar de mais atenção”. Ao que costumamos responder: “E se fosse nosso filho biológico com paralisia cerebral? Não seria também este o nosso dever, o de cuidar dele de igual forma?

 

O Futuro de R.

Na primeira reunião com a instituição, disseram-nos que o projeto de vida do R. passava pelo apadrinhamento civil. Ao longo do último ano, o contacto com o R. passou de uma vez por semana ao domingo, no início, para um fim de semana completo alternando com um domingo. E evoluiu, recentemente, para três fins de semana por mês, passando o último do mês com o pai.

Cada vez mais nos vemos a apadrinhá-lo e a fazer com que o R. integre a nossa família. Acontece imensas vezes chamar-lhe filho sem querer, mas porque já o sinto como tal. Estamos a tentar criar todas as condições para que no futuro isso aconteça. É isso que perspetivamos e que desejamos. Queremos dar-lhe um futuro, oportunidades que talvez não tenha se ficar na instituição, e que o nosso modelo de família possa servir de referência para ele, se um dia pretender constituir a sua, em que o lema é “com AMOR tudo é possível”.

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