Carla Andrino é uma das mulheres que mais admiro no universo artístico nacional. Gosto da sua alegria esfuziante, da enorme verdade que imprime a cada papel, um camaleão da comédia que nunca vira a cara a um desafio.
Esta é a atriz que o país conhece, irreverente, aplicada, sempre a fazer três coisas impossíveis ao mesmo tempo e a concretizá-las com determinação. O que poucos sabem é que se licenciou em Psicologia como trabalhadora-estudante, tem gabinete como terapeuta, carteira de pacientes e que conseguiu finalizar o doutoramento no ano passado, ao mesmo tempo que percorria o país no elenco de uma ótima comédia intitulada Noivo por Acaso. Nesta peça, com Fernando Mendes, tem dois papéis diferentes, duas composições distintas, e nunca entra em palco sem arrancar uma chuva de gargalhadas.
Carla é uma fonte inesgotável de energia. Por isso, o recente comunicado a dar conta de que estava doente apanhou-nos de surpresa. Não tenho dúvidas de que vencerá esta batalha, com a garra que a caracteriza. Não me vou deter sobre o medo, a dor, que partilha com todos aquelas e aqueles que já sofreram uma doença oncológica. Não posso, nem devo fazê-lo. Não quero acrescentar lugares-comuns sobre uma doença tão castigadora, que testa tudo e todos até ao limite. Doentes e familiares. Mas, ao ler o comunicado sóbrio da Carla, não pude deixar de pensar nas implicações e na forma como temos de nos justificar ao mundo sobre os nossos estados de alma ou de… saúde. Esta avenida digital abriu-nos as paredes da casa, do trabalho e do corpo… Não falo apenas das pessoas que são reconhecidas pelo público, endereço-me a todos nós, que vivemos nesta bolha digital, na qual partilhamos o suspiro, o sorriso, a alegria, e pergunto-me se a Carla não será uma das últimas pessoas que se deterão em mostrar a ferida profunda da normalidade dos seus dias. Não faço juízos, nem condeno, não sei o que farei se um dia for contemplada com este azar do destino. Carla escolheu o silêncio.
Lembro-me de que uma vedeta norte-americana transformou todo o seu processo de quimioterapia num programa de televisão, mostrando em doc reality a agonia de um cancro terminal. Foi largamente criticada por expor a sua privacidade. Foi largamente elogiada porque se humanizou perante os milhões de americanos que achavam que a Farrah Fawcett era apenas um sorriso brilhante e uma cabeleireira estonteante. Uma beleza tão admirada maculada pela doença. Muitos apelidaram esta atitude de um profundo mau gosto, um voyeurismo desnecessário. Outros encontraram no seu exemplo a força para combater os seus próprios males. Deixo-vos a minha dúvida e convido-vos ao debate… No turbilhão digital, depois do trabalho, da vida privada, da beleza cada vez mais erotizada, do sexo… devemos partilhar o sofrimento?