six pack

O six pack é o new black, por Rodrigo Moita de Deus

Nunca percebi muito bem aquela ideia de ir a um ginásio e fazer − dentro de uma sala cheia de gente suada − tudo o que podíamos fazer lá fora e sem pagar. Fingir que fazemos remo em vez de fazer remo. Fingir que corremos numa passadeira em vez de correr. Pedalar numa bicicleta sem sair do sítio. Como se fosse impossível ir remar para o rio, correr para a Expo ou andar numa bicicleta no Monsanto. Calculo que os ginásios estejam para o exercício físico como os centros comerciais estão para as compras: fácil e rápido.

Cresci num tempo em que a barriga proeminente era um símbolo de status e um instrumento de sedução. Significava comodidade, conforto e bem-estar. Numa palavra: poder. E de repente tudo mudou. Ficar com uma barriga nos dias de hoje é mais ou menos a mesma coisa que ter um walkman em tempos de Spotify.

O “saudável” é objeto de desejo. Produtizado e com departamento de marketing próprio. Vamos jantar e há sempre alguém na mesa que sabe o número de calorias de um copo de vinho. Ainda que não saiba explicar o que é uma caloria. Mas a coisa é ainda mais divertida em matérias de jargão.

Já ninguém corre, e o jogging acabou na década de 70. Agora faz-se running. Também ninguém anda de bicicleta. Faz-se cycling ou spinning. Boa desculpa para homens adultos conviverem com outros homens adultos vestidos de licra. E licra nos homens é especial. Muito especial.

Efeito do marketing, ou não, estamos todos mais saudáveis. A poupar orçamento ao serviço nacional de saúde. Efeito do marketing, ou não, alterámos todos os nossos padrões. Agora é desejável vestir um fato de treino.

A coisa mudou tudo. Mudou mesmo a forma como vivemos o espaço público. E a crise só acelerou a coisa. As pessoas saíram dos ginásios e começaram a viver a rua. Como falta o dinheiro, começaram a passear na rua, a correr na rua e até a andar de bicicleta na rua. Vamos ao Monsanto e está cheio. Vamos ao rio e está cheio. Vamos à Expo e está cheio. A barriga passou a ser símbolo de uma vida sedentária e pouco recomendável e o six pack é o new black. O que é uma chatice. Para mim.

E esta mudança não foi assim há tanto tempo. A coisa tem menos de uma geração. Menos de uma década. O que é extraordinário quando falamos de uma completa alteração de cânones sociais. Sentamo-nos à mesa e discutimos os melhores ténis para correr, a melhor aplicação e quantos quilómetros conseguimos fazer numa hora. A mini maratona de Odivelas, a meia maratona do Barreiro e a maratona de Boston. Não obrigatoriamente por esta ordem. Há uns anos, discutíamos o vinho e que restaurante tinha o melhor cozido à portuguesa. Não é que tenhamos abdicado do cozido à portuguesa. Simplesmente começámos a correr para poder ir ao cozido à portuguesa e para beber o dito vinho. É uma espécie de dupla tributação. Um jantar custa os seus euros e as calorias. E pagamos. O país ficou mais saudável? Sim. Portugal parece mais cosmopolita? Sim. Claramente que sim. Mas serve para alguma coisa? Serve. Andamos todos mais felizes. O exercício físico potencia a produção de endorfinas. Substância química responsável pela felicidade. E o país precisava de endorfinas. Desesperadamente. Tudo pode correr mal. Mas nós precisávamos de endorfinas. Digo eu. Que ando a correr cinco quilómetros por dia.

Crónica por Rodrigo Moita de Deus

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