Psicólogo Gustavo Pedrosa: o Casamento já não é o que era?

O casamento já não é o que era?

Dizem que o casamento já não é o que era. Dizem também que se trata de uma mudança de mentalidades, e outros dizem que as pessoas deixaram de saber como manter uma relação. Mas afinal, de onde vem a origem de tanto divórcio?  Falei com Gustavo Pedrosa, Psicólogo Clínico e Terapeuta de Casal da Oficina de Psicologia, para averiguar esta situação.

QUEM É: Gustavo Pedrosa,

Psicólogo Clínico e Terapeuta de Casal e Familiar na Oficina de Psicologia de Lisboa desde 2012, Gustavo Pedrosa é também director técnico da CEDEMA – Associação de Pais e Amigos dos Deficientes Mentais Adultos.

 

  1. Quais são os problemas mais frequentes de casais casados que encontra?

É difícil encontrar um denominador comum aos problemas de casal, pois por norma não existe apenas um problema.

Diria que o maior problema é a comunicação; seja a pouca comunicação ou a deficiente comunicação.

Nos casais mais recentes, as expectativas relativamente ao que se “dá” e se “recebe” na relação é também um problema recorrente.

Também existem ciclos de vida típicos de separação. Esses ciclos de vida, como por exemplo o nascimento do primeiro filho, exigem uma grande mudança e adaptação ao casal e nem todas as pessoas têm essa capacidade de mudança e adaptação, criando mal estar no casal.

 

  1. Ultimamente temos noção que os casamentos são cada vez menos duradouros. Da sua perspetiva, concorda?

Diria que sim.

A queda de alguns preconceitos relativamente ao divórcio e às famílias reconstruídas são passos importantes para uma menor capacidade de lutar pela relação ou, especialmente, para uma maior exigência imposta aos conjugues e ao prazer de estar em relação.

Mas esse dado não deve ser visto de uma forma negativa. Mudaram-se as exigências conjugais e familiares e alguns construtos sociais demoram tempo para mudar e adaptarem-se a essas novas exigências.

É tão entusiasmante, e até gratificante, presenciar um casal junto há 40 anos, como verificar a capacidade de algumas pessoas mudarem completamente a sua vida familiar porque a relação não os completa ou porque está demasiado degradada, tenham eles 30, 40 ou 50 anos.

 

  1. E quanto aos casamentos frequentes das mesmas pessoas (por exemplo, alguém que casa pela 4ª vez após se divorciar…)?

Neste caso, creio que são casos cada vez mais raros, também pela referida queda da importância do “casamento” na nossa sociedade.

Há pessoas que mudam de companheiros com uma frequência maior do que a norma na sociedade mas, mesmo esses casos, creio que estejam a diminuir.

Tal como parece há um aumento dos divórcios, parece haver uma diminuição dos múltiplos relacionamentos curtos. Aparentemente existe uma maior aposta nas relações que sejam gratificantes, mas também razoavelmente duradouras. Quer isto dizer que começa a haver uma procura dum equilíbrio entre o que era normal há umas gerações atrás, como casamento para toda a vida, independentemente do sofrimento que daí advinha; e as novas relações, múltiplas e “descartáveis”.

 

  1. Um estudo de Harvard recente publicado no American Sociological Review indica que um dos factores maiores que aponta para o divórcio é a falta de trabalho a tempo inteiro do marido. O que acha deste resultado? Aplica-se ao português, nos dias de hoje?

O desemprego e a instabilidade laboral podem ser também factores de instabilidade no casal, especialmente numa sociedade como a portuguesa, em que as dificuldades económicas são relativamente transversais à maioria da população.

Numa situação de desemprego, o conjugue sente-se em “falha” perante a sociedade, a família e a sua relação.

Emocionalmente o desemprego cria-nos uma situação de fragilidade e sensação de frustração que tendencialmente afecta a nossa relação com os outros.

A forma como se lida com esse sentimento de “falha” e frustração, podem ser contraproducentes para a relação, muitas vezes observando-se um comportamento altamente crítico e pouco activo da pessoa desempregada.

Uma vez mais, as expectativas podem colidir com um comportamento oposto do conjugue.

A instabilidade laboral assume uma vertente menos grave neste aspecto, mas o sentimento de injustiça, de frustração ou de incapacidade para mudar a situação pode ser levado do meio laboral para o meio familiar, criando mal estar na relação pela projecção dessa frustração.

Devido à evolução na igualdade de género e ao papel da mulher e do homem na sociedade portuguesa, não há uma grande distinção entre o desemprego da mulher ou do marido, sendo ambos potencialmente problemáticos para o casal.

 

  1. Se não, qual considera a maior causa para os casamentos falharem?

Os casamentos são frequentemente caixas de ressonância da vida de cada um dos conjugues. Assim, reflectem os seus problemas enquanto indivíduos e enquanto casal.

Enquanto casal existem também problemas de vária ordem.

Como referi acima, a comunicação será o problema mais comum e causador de mal-estar.

As elevadas expectativas relativamente ao outro e à relação ajudam a “minar” o terreno da tolerância e da aceitação.

Por fim, o pouco esforço que estamos dispostos a fazer para aceitar as diferenças e modificar alguns aspectos peculiares do nosso comportamento ou comunicação, acabam por ditar o final de alguns casamentos.

 

  1. Que conselhos dá a alguém que quer seguir com o divórcio?

A primeira coisa a fazer é conhecer os seus limites e questionar-se se fez tudo o que estava ao seu alcance para evitar o divórcio.

A segunda é questionar-se se permitiu que a outra pessoa fizesse tudo o que conseguia para evitar o divórcio.

Depois, manter uma relação saudável com o ex-conjugue será um passo importante.

Outro passo importante será fazer uma auto-avaliação do que correu mal, do que se fez de errado e do que poderia ter feito.

Por fim, avaliar quais são os seus limites e o que pretende para uma relação futura (expectativas).

 

  1. E a alguém que quer ter um casamento duradouro?

Comunicação, aceitação, esforço para a mudança e adaptação, e auto-conhecimento.

A excessiva crítica ou acusação, por exemplo, destrói e contamina a comunicação.

A exigência para terem personalidades, gostos e formas de estar idênticas é irrealista. Devemos trabalhar a aceitação da diferença. O facto de serem diferentes pode ser visto como uma complementaridade, ou seja, um ponto positivo.

A igualdade entre ambos traz muito pouco beneficio ao casal.

Haver um esforço constante para alimentar a relação. Por exemplo, uma pequena surpresa fora das datas festivas.

Terem os vossos tempos para estar em casal e tempos para as actividades individuais bem definidos e aceites.

Existem ciclos de vida que exigem mudança e adaptação de todos os membros da família. No casal a adaptação é ainda maior. Quando sentirem que estão numa dessas fases, parem, re-estruturem a relação e refaçam as rotinas. Se a estratégia que usam não está a resultar, há que adaptar ou mudar a mesma.

Conhecerem a vossa forma de estar e de comunicar, além dos vossos limites e tolerância para estarem com alguém diferente ajudará a perceber e a delimitar a acção do conjugue, trazendo estrutura e segurança à relação.

O casamento ou relação é um processo constante, que necessita de ser alimentado e trabalhado diariamente. Por vexes recebemos mais do que damos; outros dias acontece o contrário. Não devemos ter expectativas de que tudo será fácil e devemos trabalhar para uma comunicação mais fácil e esforço conjunto para a resolução dos problemas que surgem.

 

 

 

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