Entrevista sobre vocação profissional

“Algumas vocações são maioritariamente inatas. Tomemos o exemplo do Cristiano Ronaldo”

“O que é que queres ser quando fores grande?” Quando somos pequenos, respondemos sem grande dificuldade. O problema é quando chegamos a ‘grandes’… Nesta entrevista Catarina Barra Vaz, psicóloga vocacional da Psinove – Inovamos a Psicologia, diz-nos como descobrir as nossas aptidões e a sua importância na decisão da escolha profissional.

O que significa ter vocação para algo?

Vocação vem do latim vocare, que significa chamar. É uma inclinação, uma tendência ou habilidade que leva o indivíduo a exercer uma determinada profissão ou carreira com prazer. A vocação profissional é formada por um conjunto de aptidões (raciocínio lógico, raciocínio numérico, raciocínio verbal, raciocínio espacial), como também interesses e personalidade que direcionam o indivíduo na escolha de uma profissão.

Ao longo do percurso escolar, a vocação vai-se manifestando pelo desempenho e pela motivação em disciplinas de determinadas áreas e pela prática de determinadas atividades de tempos livres associadas.

Trabalho, carreira e vocação… O que os distingue?

Trabalho é a atividade física ou intelectual que realizamos com vista à produção ou transformação de algo. Carreira é o percurso profissional desde o primeiro emprego até ao momento atual, que pode não ser exclusivo de uma determinada área ou profissão. E vocação, como anteriormente descrito, é o conjunto de aptidões, interesses e personalidade que direcionam o indivíduo na escolha de uma profissão.

Diversos estudos revelam que pessoas felizes são mais produtivas e eficientes e que têm uma atitude mais construtiva perante a vida. A descoberta da vocação é uma condição de realização profissional e satisfação profissional?

A descoberta e execução da vocação é, com certeza, uma das variáveis mais importantes para a realização e satisfação profissional. Contudo, esta satisfação também depende do peso que cada um dos indivíduos atribui à sua produtividade.

Segundo o Modelo da Complementaridade Paradigmática, de António Branco Vasco, a Produtividade (capacidade para alcançar e realizar ações importantes para o próprio) é apenas uma das 14 necessidades psicológicas vitais ao bem-estar. Os estudos feitos com base neste modelo apontam a regulação das necessidades de Tranquilidade (capacidade de se aproveitar o que se tem no momento presente), Proximidade (capacidade para estabelecer e manter relações íntimas), Autocrítica (capacidade de identificar, tolerar e aprender a partir das insatisfações pessoais) e Autoestima (capacidade de se sentir satisfeito consigo próprio) como melhor preditor de bem-estar.

Todas as pessoas têm talento para alguma coisa ou há quem não tenha aptidão para nada?

Até à data, nunca me deparei com nenhum jovem sem uma aptidão mais forte. Encontrei, sim, jovens com aptidões e interesses variados ou com resultados discrepantes entre aptidões, interesses e personalidade vocacional (por exemplo, interessarem-se pela área das ciências e terem resultados baixos no raciocínio numérico). Muitas vezes isto acontece porque podem ainda não ter tido experiências de vida que lhe permitam descobrir e/ou desenvolver a sua vocação ou estarem a sofrer a pressão para o sucesso económico num mundo cada vez mais competitivo.

A vocação é uma competência inata ou pode ser trabalhada?

Algumas vocações são maioritariamente inatas, como as artísticas ou desportivas, mas todas elas podem ser trabalhadas. Tomemos o exemplo do Cristiano Ronaldo, que desde cedo mostrava uma grande inteligência corporal cinestésica (capacidade de utilizar o próprio corpo com grande precisão). Se não tivesse tido oportunidade de a treinar e desenvolver, dificilmente seria o jogador reconhecido mundialmente que é hoje em dia.

A escolha da profissão é uma das decisões mais importantes da vida. Como pode um jovem de 17 anos a frequentar o Ensino Secundário escolher o seu curso superior e o seu percurso profissional?

É crucial que este processo de tomada de decisão seja consolidado com informações sobre aptidões, interesses pessoais, personalidade vocacional, as opções disponibilizadas pelas instituições de ensino e formação e as vantagens e desvantagens que cada percurso acarreta. É também importante ter consciência de que a escolha de um determinado curso encaminha para uma profissão, que poderá ter inúmeras formas e contextos de ser posta em prática (e.g. um gestor pode trabalhar em variadas atividades económicas).

Sabe-se hoje que existem vários determinantes psicológicos que, de uma forma dinâmica, influenciam a escolha vocacional: maturidade vocacional, aptidões, interesses, valores, necessidades, traços de personalidade e autoconceito. Assim, quanto maior for o autoconhecimento destes determinantes, maior a probabilidade de uma escolha acertada.

Até que ponto a interferência dos pais na escolha profissional dos estudantes é positiva?

Além da expectativa do próprio jovem quanto à sua vida futura, existe também a expectativa familiar. Os pais depositam nos filhos desejos, sonhos, fantasias desde o momento em que eles nascem, o que é normal. Contudo, muitos jovens chegam a sentir-se ‘obrigados’ a seguir determinada profissão porque esse é o sonho dos seus pais, o que poderá gerar frustração e revolta, dificultando o processo de autonomia.

Saltar de emprego em emprego ou adiar a entrada no mercado de trabalho somando formações e cursos diferentes é uma boa forma de descobrir a nossa vocação?

De facto, através de experiências diversificadas podemos ir discriminando as que nos são mais fáceis e prazerosas. Podemos ter várias vocações e, mais cedo ou mais tarde, teremos sempre de escolher uma. Uma vez que escolher implica sempre perder ou deixar ir algo, muitas vezes a dificuldade assenta em assumir a responsabilidade da escolha.

Importa referir que este processo não é estanque, ou seja, todo o percurso que se fizer até à entrada no mundo profissional irá consolidar essa primeira escolha ou mudá-la. Não há um caminho certo e único, e é sempre possível reformulá-lo. Há também que ter em conta que não existem profissões perfeitas e que haverá sempre obstáculos (do próprio ou do meio envolvente).

Imaginemos alguém que não anda muito satisfeito com o seu emprego, não porque não tem um bom relacionamento com o seu chefe ou com os colegas, mas porque não gosta da carreira que está a trilhar. Como é que essa pessoa pode descobrir a sua verdadeira vocação, ou paixão, e decidir se deve ou não trocar de emprego?

Primeiro, deverá analisar as fontes de insatisfação, pois poderão não estar relacionadas com a vocação, mas com determinadas características do emprego em questão. Por exemplo, posso ser um excelente farmacêutico e não ter perfil para trabalhar no atendimento ao público e sim em investigação. Depois, deverá analisar as consequências a curto, médio e longo prazo na manutenção ou na mudança de emprego e fazer a sua escolha em concordância. Se a tomada de decisão for muito difícil, a psicoterapia poderá ajudar.

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