O adultério da mulher é um gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem

“O adultério da mulher é um gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem”

Um juiz do Porto atenuou a pena de um caso de violência doméstica pelo facto de a mulher ter um amante. A Bíblia e o antigo Código Penal serviram de justificação da sentença.

Foi perseguida e sequestrada pelo amante. Ao descobrir da relação extraconjugal, o marido separa-se dela, ameaça-a de morte e agride-a com uma moca com pregos. Tanto o amante como o marido são condenados a pena suspensa por violência doméstica. O que justifica a pena leve do Tribunal da Relação do Porto? “O adultério da mulher é um gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem”. Inacreditável, não é?

Mas o acórdão assinado pelo juiz desembargador Neto de Moura e por Maria Luísa Arantes vai mais longe e invoca a Bíblia: “Sociedades existem em que a mulher adúltera é alvo de lapidação até à morte. Na Bíblia, podemos ler que a mulher adúltera deve ser punida com a morte”. Para fundamentar a decisão, é ainda citado o Código Penal de 1886 (sim, leu bem, 1886!), em que o agressor era punido com uma pena meramente simbólica se matasse a mulher adúltera. “Com estas referências pretende-se apenas acentuar que o adultério da mulher é uma conduta que a sociedade sempre condenou e condena fortemente (e são as mulheres honestas as primeiras a estigmatizar as adúlteras) e por isso vê com alguma compreensão a violência exercida pelo homem traído, vexado e humilhado pela mulher”, justificam os desembargadores.

De acordo com o Jornal de Notícias, o caso nasceu em novembro de 2014, quando um homem solteiro de Marco de Canaveses e uma mulher casada de Felgueiras se envolveram numa relação extraconjugal. Ao fim de dois meses, a mulher quis terminar tudo, mas o amante começou a persegui-la, no seu local de trabalho e através de SMS. O amante acabou por revelar a traição ao marido e o casal separou-se, tendo o cônjuge passado a enviar-lhe mensagens com insultos e ameaças de morte.

Entretanto, em junho de 2015, o amante, que também continuou a assediar a vítima, sequestrou-a e transportou-a para perto do emprego do marido, ao qual telefonou, naquele momento, convidando-o para um encontro. Aparentemente sem premeditação, o marido acabaria por agredir a mulher, usando uma “moca” com pregos.

Ambos os homens foram condenados pelo Tribunal de Felgueiras a penas suspensas. O Tribunal de Felgueiras entendeu aplicar ao marido, pelo crime de violência doméstica, a pena de um ano e três meses de prisão, que suspendeu, e uma multa de 1750 euros por posse de arma proibida. Ao amante foi atribuída, pela violência doméstica, uma pena de um ano de prisão, também suspensa, mais 3500 de multa por crimes de perturbação da vida privada, injúrias, sequestro e ofensas à integridade física. O Ministério Público recorreu da sentença, mas a decisão foi confirmada pela Relação do Porto.

Na sequência da decisão, o caso foi noticiado em diversos órgãos de comunicação social, causando uma onda de perplexidade que se estendeu às redes sociais. Além da indignação gerada, também a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) manifestou “o seu mais veemente repúdio face ao Acórdão” do Tribunal da Relação do Porto e algumas associações de mulheres, como a UMAR — União de Mulheres Alternativa e Resposta – e a associação Capazes, já apresentaram queixa.

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