“A traição não é um dos principais motivos de divórcio, isso é um mito”, Psiquiatra José Gameiro

Quando penso em silêncio conjugal, lembro-me daqueles casais que não dizem uma palavra na mesa do restaurante. Será falta de assunto, tratamento de silêncio ou apenas sinal de intimidade? Pergunta para o psiquiatra José Gameiro, que acaba de lançar o livro Talvez para Sempre.

Segundo os últimos dados publicados na Pordata (Novembro de 2016) sobre a taxa de divórcios em Portugal, somos dos países da Europa com mais divórcios (por cada 100 casamentos registados em Portugal, há 70 pedidos de divórcio).
De acordo com a sua experiência na área de terapia familiar, quando/em que circunstâncias é que a ‘culpa’ da separação é do… silêncio?

 

Os divórcios são provocados por múltiplas causas, habitualmente acumuladas e prolongadas ao longo do tempo. O silêncio, como fator absoluto, não é um problema. Há casais que convivem bem com o silêncio, não precisam de falar muito. O silêncio é destrutivo quando a sua necessidade é muito desigual, ou quando, numa crise conjugal, um dos elementos se recusa a dialogar. Também o diálogo nem sempre é positivo, quando muito em cima da crise, porque pode agravá-la.

 

É com frequência que nos deparamos com este tipo de situações: casais no restaurante que praticamente não falam um com o outro. O que é que isto significa?
Há formas de superar esta fase em que os casais “não têm assunto”?

Faz-nos impressão ver um casal à mesa em silêncio, mas podemos estar a fazer juízos apressados. Há casais para quem isso é confortável, outros para os quais é um sinal de não terem nada a dizer um ao outro, habitualmente já há muito tempo…

 

Existem estudos que sugerem que, após um conflito numa relação, o chamado tratamento de silêncio que um parceiro decide aplicar no outro é altamente destrutivo da relação. Concorda?

Concordo, porque o silêncio nesta situação significa uma profunda desqualificação do outro e uma recusa de aceitar os seus argumentos.

A traição será um dos principais motivos para o divórcio. Perante uma traição, e de acordo com a sua grande experiência com casais, o que é mais construtivo para a mulher que descobriu que foi traída e para a mulher que traiu? Falar com o parceiro ou silenciar o assunto?

A traição não é um dos principais motivos de divórcio, isso é um mito. Os principais motivos de divórcio são a crítica sistemática do outro, a sua desqualificação ou o ter deixado de gostar ao longo do tempo. A maior parte dos casais recupera de uma traição, naturalmente se o que traiu deixar de ter a relação fora do casamento. É muito difícil recuperar sem uma crise. Na minha experiência clínica, só depois de a verdade surgir é que o casal pode iniciar o processo de recuperação, que é sempre lento e doloroso, mas com intervalos de grande proximidade.

O que nunca se pode dizer numa relação?

Depende muito das relações. O que me parece importante é perceber a que é que o outro é muito sensível, em que pode interpretar uma afirmação como ofensiva. Se tiver de escolher um assunto, direi que nunca se deve dizer mal da família do outro, mesmo que ele/ela diga…

Em 2003, disse numa entrevista que “todos teremos dois casamentos daqui a 50 anos”. Mantém a afirmação? Porquê?

Mantenho, as estatísticas assim o apontam. O aumento de longevidade irá aumentar ainda mais o tempo útil para viver relações de acasalamento…

 

 

Talvez para Sempre. É o novo livro do psiquiatra José Gameiro. Debruça-se sobre o amor no quotidiano, a luta para manter a paixão acesa num dia a dia feito de contas da luz e de supermercado. Mas também sobre o amor sonhado, idealizado. Entre as histórias de casamento e traição, há relatos sobre a procura da felicidade a dois. “Amor e felicidade tocam-se, cruzam-se, lutam, podem mesmo ser amigos, mas vivem vidas separadas.”

Comentários

comentários