Por que razão vivemos tão obcecados com o futuro? Que forma estranha tem o nosso presente que nos leva a um constante elaborar de planos para que o futuro não nos apanhe na curva?
*Crónica de Sílvia Baptista, escritora
Quando somos pequenos, perguntam-nos o que queremos ser quando formos grandes, esquecendo que na infância já somos tudo; as relações amorosas são desenhadas em cima da ideia de um porvir que enche de expetativas um presente que mal se vive; andamos tão ocupados a viver dias que ainda não chegaram que nos esquecemos que as horas e minutos de hoje já não se repetem.
De cada vez que escolhemos preocupar-nos com o futuro estamos a hipotecar a alegria do presente. E sei disto porque é assim que vivo. Na tentativa de me poupar a preocupações com o amanhã, acabo a preocupar-me hoje com contextos que vivem no domínio da probabilidade. Fui sempre assim, desde que me lembro. Quando me chegava a tal pergunta sacramental da infância – “o que queres ser quando fores grande?”- respondia que queria ser adulta, o que já denotava uma certa obsessão com o futuro, a qual mantenho.
E vivo tão metida na minha organização mental, nas minhas listas de afazeres, nos meus planos mensais e cronogramas de trabalho, que me esqueço das pequenas coisas, dos prazeres mais singulares, dos momentos mais prosaicos. Em dias bons, menos ligados ao que está para vir, consigo maravilhar-me com o simples facto de existir. Nos outros dias, vivo como se a minha missão na vida fosse apenas certificar-me que chego ao fim, sem problemas de maior.
Não há nada de fundamentalmente errado nisto. Mas há alguma (tanta) coisa que me escapa quando escolho a preocupação em detrimento da alegria, quando decido olhar além do que consigo ver.
A minha pouca tolerância à incerteza enche o meu inconsciente de dúvidas e cenários catastróficos e, de uma maneira meio ínvia e muito interior, faz-me estar sempre alerta, como que preparada, armada até aos dentes, para o que der e vier.
Combato esta propensão para a desgraça com alguns minutos de meditação diária, a qual me obriga a estar no “aqui e agora”, e é esta ginástica mental que me tem ajudado a ver que os fantasmas são, afinal, moinhos de vento.