“Quando chego a casa tarde, depois da Passadeira Vermelha, e vou ao quarto dar-lhes um beijinho, e elas, a dormir, envolvem os seus braços no meu pescoço e dizem ‘Amo-te, mãe’… não preciso de mais nada. É a coisa mais espetacular do mundo”
Ana Marques, Apresentadora SIC
Há várias razões por detrás deste convite a Ana Marques para colaborar em Júlia − De Bem com a Vida no Dia da Mãe. Primeiro, somos ambas mães de gémeas. Une-nos esta cumplicidade acrescida. Depois, a Ana Marques é o rosto, assumido no seu livro As Minhas Gémeas, das histórias da gravidez e da maternidade que… não correm tão bem. Nem sempre a chegada das crianças é aquele momento encantador de que se fala. E quase ninguém tem a coragem de falar disso. Há complicações e imprevistos que se atravessam pelo caminho. E não há partos iguais. Ana Marques e as gémeas Laura e Francisca tiveram a vida em risco. E Ana conta-nos como foi reconstruir “os cacos” ao regressar a casa e despertar para o maior desafio da sua vida: ser mãe.
A pré-eclâmpsia é uma doença que ocorre no início da gravidez e caracteriza-se por hipertensão, edemas e libertação das proteínas na urina. Em Portugal, estima-se que afete 2 a 3% das gravidezes. Ana Marques foi incluída nesta percentagem quando, há oito anos, deu conta de que sofria de pré-eclâmpsia e foi internada na Maternidade Alfredo da Costa. Laura e Francisca tinham 31 semanas. E Ana Marques não tinha a mínima pressa de dar à luz: “A ideia era as bebés nascerem pouco depois do internamento. A verdade é que aguentei até às 34 semanas e quatro dias.”
As Minhas Gémeas, o livro de Ana Marques, não se foca apenas na sua história. Ana aborda um conjunto de situações, de pessoas, de pais e filhos que passam por situações idênticas, entre a realidade da cama de hospital e a esperança do regresso a casa. “É um microcosmos que ninguém imagina existir até acontecer uma doença como esta”, recorda Ana.
E assim se desvaneceu o conceito poético de parto. “Há hoje um exibicionismo da maternidade fácil. ‘Isto não custa nada, trabalhei até ao último minuto.’ Criou-se à volta da maternidade um certo heroísmo e pragmatismo, levando a que as mulheres que passam por determinadas situações complicadas se sintam menos mães, menos mulheres, menos protetoras. E isso acaba por ter repercussões”, conta.
Ana recorda as mães com quem falou e as cartas que recebeu na sequência do seu livro: “Houve quem me dissesse que levou anos até endireitar de novo a cabeça…”
“Acontece que nós idealizamos. Idealizamos o casamento, idealizamos os bebés e também idealizamos o momento do parto. E de repente a idealização cai por terra. E nós não sabemos reagir a tudo o que está a acontecer ao mesmo tempo. O meu livro não é só sobre a minha doença. É também sobre muitas outras doenças que podem acontecer em qualquer gravidez.”
Voltando ao momento do parto: “Se por um lado queria as minhas filhas cá dentro, no meu casulo, por outro, quando nasceram, só pensava: ‘não percam um minuto, levem-nas já para conseguirem salvá-las.’”
Veio a festa e as comemorações. Laura e Francisca estavam a salvo. Mas Ana recorda-se de, no recobro, ter adormecido e de ter sido acordada repentinamente: a pré-eclâmpsia, que era suposto passar, agravara-se. Ana corria risco de vida.
Laura e Francisca chegaram mais cedo a casa. E Ana lutava com todas as suas forças para abandonar o hospital, consciente de que o longo internamento a afetava psicologicamente.
“Depois é regressar a casa e juntar os cacos. Reconstruir uma história que em tudo é diferente daquela que imaginámos a vida inteira. Podem chamar depressão, baby blues, adaptação. Mas aquele momento foi duro.”
Os sinais…
“E naquele momento estamos completamente sozinhas. Porque nem as mães, as melhores amigas ou os nossos maridos se apercebem. Porque também não dizemos a ninguém. Pomos a cabeça na almofada a chorar, sem saber bem porquê.”
E se calhar temos todos, mães, melhores amigas, de começar a perceber alguns sinais.
O puzzle…
“Depois, os cacos acabam por se juntar. E fazemos com eles um puzzle muito certinho. Todos os dias nos vamos apaixonando mais um bocadinho por elas. E cada fase é melhor que a anterior. Até à fase em que são companheiras e em que já falamos a mesma linguagem”, conta Ana.
Viajar é das atividades de lazer que mais gostam de fazer em conjunto, em família. Todos os anos, partem à descoberta de um destino. Tailândia e Estados Unidos já estão no passaporte. A próxima viagem ainda está em discussão. “Uma quer a Rússia, outra o México. Acho que ainda vamos parar à Islândia”, diz Ana.
Ana afirma que ser mãe de gémeas é… “respeitar a individualidade de cada uma”. É ter sempre uma espécie de sirene ligada: “Não comparar, nunca comparar.”
Até porque não há comparações possíveis. Laura gosta de inventar. E está feliz por ter descoberto que existe um curso que lhe permitirá concretizar as suas ideias. Quem sabe se será designer ou engenheira. Francisca é virada para a condução. Aspira a ter um Uber por sua conta.
Além de cúmplices, revelam ainda aquilo que Ana chama de compensação: “Quando uma está triste, a outra puxa para cima!”
Mãe Ana Marques
Dia do Filho Único… Há dias em que aproveito uma consulta, por exemplo, só com a Laura ou com a Francisca e acabo por prolongar o tempo e vamos lanchar. E elas ficam todas contentes. Parece que os laços se estreitam. A comunicação fica mais fluida.
Privacidade… “Eu não as costumo mostrar. E elas não querem mesmo aparecer.”
Ser mãe… é a melhor coisa do mundo. Mas o maior desafio da minha vida.