A Ana tem 42 anos e é a mãe de S. Uma menina “especial”, 4 anos, cujo desenvolvimento contrariou uma gravidez e parto aparentemente saudáveis. S. tinha pouco tempo de vida, quando Ana suspeitou de que algo não corria bem com a sua bebé. Entre médicos e visitas ao estrangeiro, Ana recebeu o diagnóstico de uma doença rara.
E com a coragem que só as mães conseguem reinventar nas piores tempestades, passou a adotar um novo lema de vida: um passo de cada vez. A história de S. é um dos 65 casos (em cada 100 mil pessoas) afetados por doenças raras. Acompanhar os passos desta criança permite-nos acompanhar as dificuldades e perceber como podemos intervir, ajudar, apoiar, integrar. A Ana dá voz a muitas outras histórias. Esta é a sua primeira crónica. O primeiro passo na escola. Lento, inseguro, difícil. Mas sempre desafiando a postura “de bem com a vida”.
“O primeiro dia de escola”
Por Ana, Mãe de bem com a Vida
O tão temido primeiro dia de escola tinha por fim chegado! Consolava-me a ideia de que pelo menos o primeiro dia eram só duas horas e iam passar a correr…
Não tinha sido exatamente assim que eu tinha imaginado aquele dia. Para começar, eu tinha imaginado a S. a entrar na escola de mão dada comigo, com uma saia tipo colegial e um laçarote na cabeça, mochila às costas e o peluche preferido na mão. Imaginava-a, como a irmã quando entrou para a escola, agarrada às minhas saias enquanto olhava com curiosidade para tudo o que a rodeava naquele ambiente novo e colorido. Tinha imaginado um colégio cheio de cor e de risos, povoado por muitas crianças a correr e a saltar de um lado para o outro (como estamos habituados a presenciar cada vez que entramos numa escola), e repleto de mães e pais mais ou menos sorridentes e mais ou menos apressados.
Mas a verdade é que as coisas nem sempre correm como nós imaginamos (para não dizer quase sempre) e a S. não entrou de mão de dada comigo, nem levava laçarote na cabeça nem o seu peluche na mão. No colégio, em vez de bandos de crianças a correr e a saltar via-se uma fila de carrinhos de passeio ou cadeirinhas de rodas ortopédicas (os espanhóis chamam-lhes silas de passeo e eu acho um termo mais leve!); não se ouviam muitas vozes de crianças porque ali nem todas as crianças comunicam com a voz; e os pais, mais ou menos sorridentes, mais ou menos apressados, quase todos, entre um e outro sorriso, partilham uma certa expressão de preocupação permanente.
É verdade que a escola da S. é diferente daquelas a que estamos habituados. E como tal, o seu primeiro dia de escola também não podia ser igual. Se há uma coisa que eu tenho aprendido é que tudo na vida é uma questão de perspetiva. Por isso, naquele momento, eu decidi, em vez de fazer comparações, observar e abraçar um ambiente novo que estava prestes a entrar nas nossas vidas. Centrei-me na postura das profissionais com quem me cruzei ou com quem tive oportunidade de falar (professoras de infantil de ensino especial, fisioterapeutas, terapeutas da fala, terapeutas ocupacionais, auxiliares de educação) e emocionou-me a forma alegre e carinhosa como se relacionavam com as crianças; observei as infraestruturas, as salas de aula, as zonas lúdicas e fiquei impressionada até que ponto é possível adaptar ambientes, objetos, edifícios ou parques infantis, de maneira a eliminar quaisquer barreiras à mobilidade e ao desempenho das rotinas das nossas crianças “especiais”, de forma a estimular o maior grau de autonomia pessoal. Reparei ainda como aquelas crianças e jovens que a partir daquele momento iam fazer parte do dia a dia da minha filha, se comunicavam de tantas outras formas para além da fala (e o reguilas e divertidos que podem chegar a ser, apesar das suas limitações)…
E quando a S. acordou ao meu colo, já na sala de aula, (no primeiro dia, os pais podem subir à sala com os alunos novos como forma de boas-vindas), ela olhou com curiosidade para a professora e para os seus novos colegas, sorriu para o espelho enorme que viu à sua frente e só chorou um bocadinho quando passou do meu colo para o da professora. Explicaram-nos as rotinas, os planos de trabalho individual e em grupo, a integração das horas de terapias no horário escolar e, pouco a pouco, fui ficando mais tranquila. É verdade que o primeiro dia de escola da S. não tinha sido como eu imaginei. Mas, como me disse um dia a minha filha mais velha, “às vezes as coisas podem ser ainda melhores”.