O meu sogro, cinco anos depois da quebra matrimonial, ainda muda lâmpadas aqui em casa. A minha ‘sogra’ chama-me de querida e é de uma generosidade ímpar.
Dos laços e cortinados
Crónica de Magda Fernandes
Mulher e mãe… de bem com a vida!
Eu sou fruto desta geração cada vez mais consistente – sem juízos de valor, dos divorciados com filhos. Daqueles que partilham os filhos, em regime de alternância semanal, com o pai e a “família do outro lado”. Já estão certamente a pensar naquela noção meio grotesca e redutora dos sogros. Ou ex-sogros, digamos.
Pois é. Mas eu tenho efetivamente uma família do outro lado que passou a família deste lado num instante e que é família que levo para todo o lado.
O meu sogro, cinco anos depois da quebra matrimonial, ainda muda lâmpadas aqui em casa, dá um jeitinho na sala, é bem capaz de arrumar a loiça e vem buscar os livros dos miúdos de que me esqueci. Pelo caminho, ainda pergunta se pode tomar um café, com aquela correção de carácter que impressiona.
A minha “sogra” chama-me de querida e é de uma generosidade ímpar. Do alto da sua sabedoria na matemática, matéria sobre a qual nunca verdadeiramente percebi nada para além das tabuadas até ao 6, desfaz-se em explicações ao neto, entre livros e fichas de atividades. Podia estar a descansar no sofá, mas passa as tardes entre equações e potências.
Família do outro lado que, para além do muito que já faz, tem aquele humor meio britânico-português que enche a alma e faz doer os maxilares. No outro dia, contente que eu estava com umas calças cheias de flores e cores, fui buscar miúdos aos “ex-sogros”.
E diz ele, o meu “sogro”: olhe, então usou os cortinados?
Ri-me até me doerem os ossos. E no meio da gargalhada, assolou-me um pensamento: é isto e tem de ser isto. Fala-se de humanidade e laços e amizades para sempre e não é que os sogros podem ser mesmo o mais perto que temos de pais não biológicos?
Esta família do outro lado pode gozar com o florido das minhas calças, nunca os levarei a mal. Tenho as lâmpadas a funcionar, os miúdos com os livros certos, dão-me colo se preciso e quando não preciso, chamam-me filha e adoro-os a ponto de o sentido pejorativo da palavra sogros me dar a volta ao estômago.
E cada vez que visto as minhas floridas e coloridas calças, assalta-me um sentimento: Sou uma mulher divorciada em regime de alternância com residência partilhada e com muita sorte. Tenho duas famílias deste lado. Quem pode querer mais?
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