“E a culpa, essa, não morre certamente sozinha, se formos cúmplices.”

POR FALAR EM CULPAS “NO CARTÓRIO”

Crónica, por Magda Fernandes

"E a culpa, essa, não morre certamente sozinha, se formos cúmplices." 51645995_2289548871334217_2740675127577411584_n.jpg?_nc_cat=108&_nc_ht=scontent.flis6-1

Diz a lei que quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais a determinadas pessoas – tais como os cônjuges, os filhos, os pais –, pratica um crime de violência doméstica.

Este tipo de crime, atendendo à respetiva gravidade, pode – e deve – ser denunciado por qualquer pessoa que a ele assista e dele tenha conhecimento. Qualquer pessoa. Um vizinho, um transeunte, um amigo, um total desconhecido. E aqui é que – desculpem a informalidade – “a porca torce o rabo”.

Ficamos todos legitimamente em choque quando os Pedros Henriques deste mundo matam sogra e filha, agridem a mulher. “É um horror, como é que é possível, e andava à solta, e ninguém fez nada? A polícia não o prendeu?”, questiona-se.

Pois que a culpa só pode ser, para além do próprio agressor, também do Estado, da polícia, desta máquina terrível que não responde em devido tempo e, por negligência, permite este resultado.

Verdade. Grande e desanimadora verdade. A culpa é do agressor e o Estado tem alguma dose de culpa pela falta de resposta eficiente.

Mas nós também. É que ninguém, genericamente, faz nada. E quando digo ninguém, incluo todos os vizinhos e amigos e colegas de trabalho e meros desconhecidos que sabem – porque os gritos de noite não os deixam dormir, ou porque é impossível disfarçar o olho negro – e nada fazem.

Entre marido e mulher, não metas a colher”, defendem. É-nos tão mais fácil ficar em choque, partilhar tristeza pelo sucedido (assim de repente, desde o início do ano, foram “só” 10 as mulheres mortas vítimas de violência doméstica) do que “meter a colher” entre marido e mulher.

Não. Temos de meter a colher. Se possível meter todo o serviço de cozinha. Denunciar, proteger, ajudar, participar.

Uma vítima de violência doméstica que não deixa de o ser quando – por receio, falta de meios financeiros, vergonha, amor (por doentio que seja)… – não se defende sozinha. Ou não seria, precisamente, uma vítima de violência doméstica.

E a culpa, essa, não morre certamente sozinha, se formos cúmplices.

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