Tratar os clientes com gentileza e cortesia, evitando ceder à “tentação da bisbilhotice” – foi um conselho que o Papa Francisco partilhou com os membros dos comités de São Martinho de Porres, padroeiro dos cabeleireiros e esteticistas, durante uma audiência, que decorreu na passada segunda-feira, no Vaticano.
São Martinho de Porres, canonizado em 1962, por São João XXIII, foi proclamado pelo Papa São Paulo VI, como padroeiro dos cabeleireiros e barbeiros.
É este o contexto da crónica de Magda Fernandes.
Mulher, mãe, advogada. De bem com a vida.
Gosto muito deste Papa. Gosto muito deste Papa.
Porém, também tenho de confessar: não sei se um salão de beleza sem um pouco de conversa banal era a mesma coisa.
Não sou muito de cabeleireiros. Vou em dias de festa e para cortar as pontas. Isto porque a minha mãe me obrigou, em tempos de menoridade, a usar o cabelo à Beatriz Costa. Assim que ganhei as asas dos 18 anos, deixei crescer o cabelo até à cintura, em forma de rebelião – apesar de tudo podia ter sido pior, podia ter virado Testemunha de Jeová – e assim fiquei quase um ano sem entrar num salão de beleza.
Hoje em dia, fruto de um ou outro – ou vários, não os contarei – cabelos brancos ou pontas espigadas – para além de um ou outro evento social que o exige -, lá vou eu.
Sou uma pessoa de hábitos e rotinas no que toca a cabeleireiros. Para além de preguiçosa. É mesmo o do outro lado da rua, aquele a quem se liga às 9h05 e se é atendida às 9h10. Já todos me conhecem e a maioria sabe que exerço aquela profissão de que todos julgam que sabemos tudo e mais alguma coisa: a advocacia.
É tramado, desculpem a expressão, ser advogada num salão de beleza. Isto porque não há cabeleireiro que não tenha sofrido um calote, não esteja em processo de separação, não tenha recebido uma multa e por aí adiante. Isto não é exclusivo dos cabeleireiros, claro está, mas quando me enchem de perguntas não tenho hipótese de fugir se tiver papelotes das madeixas enfiados no cabelo ou escovas de fazer caracóis penduradas. Seria ridículo, e um advogado com brio não sai de um cabeleireiro a não ser com o cabelo em condições.
Lá vou ficando, sentadinha e bem comportadinha, a lançar bitaites jurídicos sobre tudo o que ainda julgo saber.
Até aí, apesar do desgosto que me causa não gozar a manhã de sábado no silêncio de um secador, tudo bem.
O pior mesmo é quando a conversa extravasa para a história do vizinho do lado ou da prima ou do primo que em tempos atravessou um divórcio complicado e ficou sem nada, veja lá que o marido/mulher não tinham vergonha nenhuma, levaram Bimby e tachos e panelas, para além de não pagarem alimentos e tal.
É uma vergonha, digo, têm de o levar a tribunal. E depressa estremeço quando me pedem o contacto. É que estas histórias contadas entre escovas e secadores são – digo-vos por experiência – normalmente só meias verdades, meio coscuvilhices da vida alheia, e eu não vivo disso.
Estou nestes pensamentos e leio – o grande Papa Francisco incentiva recentemente os salões de beleza a primarem pelo profissionalismo e a deixarem-se de coscuvilhices.
Grande Papa Francisco, que vai ao fundo da questão e ataca-a no ponto chave.
A coscuvilhice é uma coisa feia. É uma tentação a que todos muitas vezes cedemos, e sobretudo em salões de beleza. Desconheço essa ligação visceral entre arranjar as unhas e cabelo e falar da vida alheia, mas ela existe. Não cedamos. Não nos tentemos a isso. A vida da vizinha, do primo e da prima é só a vida deles. Em nada contribui para a qualidade do meu tratamento capilar.
Gosto muito deste Papa. Gosto muito deste Papa.
Porém, também tenho de confessar: não sei se um salão de beleza sem um pouco de conversa banal era a mesma coisa.
Sabem porquê? Porque em bom rigor não há local com mais do que duas pessoas em que o ambiente não prime, com mais ou menos dimensão, por uma mescla de coscuvilhice. Faz parte da essência humana e tanto faz ser em salões ou em escritórios da fina flor. O Papa vai ter de lançar apelos ao mundo inteiro.