A pequena Carolina tinha sempre resposta na ponta da língua, por Carolina Torres

Quando era pequena, a minha perceção da realidade era igualmente pragmática como completamente fantasiada. Era o equilíbrio perfeito. Gostava de encontrar respostas para as minhas perguntas e, na verdade, era um bocado estranha por pensar como pensava. Não culpava as palavras, não lhes via mal, as palavras feias eram palavras mais bonitas do que aquilo que elas significavam e por isso teriam sido criadas. Não julgava o mundo. Aceitava-o com a maior naturalidade e alegria. Achava que tudo estava certo mesmo quando estava errado, e isso é o que mais invejo na pequena Carolina.

A pequena Carolina tinha sempre resposta na ponta da língua, tinha sempre uma pergunta mais esquisita do que a anterior, tinha sempre uma explicação que, apesar de ser descabida para os adultos, fazia todo o sentido e, portanto, não havia necessidade de complicar. Essa Carolina adorava ganhar e adorava fazer negócio. Porque isso implicava pegar nos jornais da escola na sexta-feira, bater nas portas de todos os vizinhos, explicar com todo o detalhe e paciência porque é que toda a gente PRECISAVA do jornal Cenourinha e chegar na segunda-feira com os melhores números de vendas e de queixo orgulhoso. A Carolina queria sempre controlar e participar em todos os espetáculos da escola, e não havia deslize que a desconcentrasse. Porque, na minha cabeça, eu e os meus amigos é que sabíamos o que se estava a passar e, portanto, se as escadas caíram ou a árvore tossiu ou a menina da esquerda foi para a direita, o meu ar seria sempre de “isto foi tudo de propósito, era exatamente isto que queríamos”, apesar de depois chegar ao pé da minha mãe e fazer uma review de todos os erros que eu cometi.

Outra coisa que eu adoro sobre a pequena Carolina é que ela nunca fez uma birra. Nunca. Zero. Jamais. Sinceramente, a Carolina nem sabia o que era uma birra nem como a fazer e, quando via um menino aos berros no supermercado por causa de um chocolate, sacava um olhar à sua mãe como quem desaprovava por completo aquele comportamento. Obviamente porque cresceu num ambiente em que foi ensinada que não só a birra era algo muito feio, como também era completamente absurdo e escusado. Porque não há birra que faça com que a minha mãe tenha mais dinheiro e a Carolina sabia que a mãe lhe dava tudo o que pudesse, mas que não podia dar tudo. As listas de Natal tinham duas ou três folhas, e todos os artigos do catálogo estavam assinalados como “Sim, sr. Pai Natal, eu quero muito ter isto”, mas isso era porque qualquer coisa que eu recebesse me ia fazer muito feliz, porque era MAIS uma tralha qualquer para juntar ao meu tesouro – Ah, sim, senhor leitor, a pequena Carolina sou eu, e eu agora estou a falar na primeira pessoa, mas depois volto à terceira, que é muito mais giro. Era um bocado um mistério para a minha família o que me fazia vibrar nos presentes, eu gostava de fazer a festa como se tivesse recebido sempre um cão ou um irmão que era na verdade o que eu mais queria… ah, e a Barbie ginasta! Custava três contos meus, amigos. Três contos! (Já agora, acabei por comprar esta Barbie anos mais tarde no eBay, em caixa, por 50 euros. Valeu completamente a pena.)

Em vez de fazer birra, aproveitava enquanto a minha mãe fazia as compras do mês, que demoravam umas duas horinhas na boa, e ficava nas prateleiras dos brinquedos. Durante esse tempo, todos aqueles brinquedos aos quais eu conseguia meter os olhos em cima eram meus. E eu brincava com eles todos o mais rápido possível, mas só a olhar para eles, e se tivesse tempo ia atrás e repetia os meus preferidos. Imaginava a roupa de uma boneca noutra, uma trança num cabelo longo, uma história entre nenucos, barbies e barriguitas. Quando a minha mãe chegava para me apanhar, perguntava: “Então, já está bom?”, e eu, de vez em quando, pegava numa Barbie, levava-a até à minha mãe e dizia: “Mã, esta Barbie é cara ou é barata?” A verdade é que eu não sabia bem o que era o dinheiro, mas sabia que se a resposta fosse “é cara” eu ia rapidamente pousar a boneca e pensava para mim que até nem era assim tão fixe só porque trazia montes de roupas e acessórios e tinha o cabelo mais lindo de sempre e olhos brilhantes azuis e…

Lembro-me de que o brinquedo que me fez tirar o pé do chão galera foi um set de sala de jantar da loja dos 300. A minha mãe sabia que eu queria aquilo porque sempre que ela ia dizer olá à senhora da loja eu ficava fixada a olhar, porque no fundo estava a brincar com aquilo. Quando percebi que podia realmente tocar nas cadeiras e na boneca, o meu coração saltou uma batida. Tudo correu bem até que perdi essa boneca e aprendi sobre perder coisas de que gostamos – spoiler alert − é terrível e só piora com a idade. Mas nunca esquecemos a primeira vez em que sentimos isso.

Hoje gostava às vezes de fazer birra. De me atirar para o chão e berrar. De dizer alto o que quero. Fazer-me entender e esperar que alguém resolva os meus problemas. Mandar os produtos do supermercado ao chão e olhar com cara de má e desafiadora para as pessoas à minha volta… Mas tenho a impressão de que é um bocado tarde para isso e, como me ensinou a minha mãe − e ainda bem −, é completamente, 100%, sem dúvida, escusado.

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