“Aqui ainda se vive um pouco o tempo do Mad Men. Os criativos andam bem arranjados, e quando apresentamos campanhas ao cliente vamos de fato e gravata”

Um Português em Manhattan

Táxis amarelos. Neve nos passeios. Um mar de gente desce a 5th Avenue segurando copos do Starbucks a fumegar. Parece uma cena de um filme passado em Nova Iorque, mas é apenas a recordação que guardo do meu primeiro dia de trabalho.

Em 1996, no ano em comecei a trabalhar, ganhei o concurso dos Jovens Criativos e como prémio fui ao Festival de Cannes. Nesse mesmo ano, vim de férias aos Estados Unidos e tive a certeza de que queria trabalhar fora. Sonhei em algum dia poder trabalhar nos Estados Unidos, mas nunca pensei que o sonho se realizasse. Naquela altura, o emigrante português era aquele que emigrava, não pela experiência de viver fora, mas sim para ter uma vida melhor. O nosso emigrante era aquele que ia para França ou para a Alemanha fazer o que os locais não queriam. Hoje em dia, há centenas de milhares de portugueses a ocuparem cargos executivos nas mais reputadas empresas no mundo.

Antes de ir trabalhar para Madrid, tive uma namorada que vivia em Paris e cheguei a pensar em ir viver para lá. Falei com um francês que tinha sido presidente de uma agência em Lisboa, que entretanto tinha voltado para Paris. Quando fui ter com ele, disse-me que um português nunca poderia trabalhar numa agência em Paris. Que os portugueses eram taxistas e porteiras. Nem queria acreditar em tanto preconceito, mas enfim, quis o destino que fosse para Madrid. E assim foi. Foi lá que passei provavelmente dos melhores anos da minha vida e onde pedi a minha mulher em casamento. Passados três anos em Madrid, voltei a Lisboa, de onde só voltaria a sair em 2011. De novo, não saí do país para ter uma vida melhor, mas sim pelo espirito nómada que tenho e pela curiosidade de saber se estava à altura de trabalhar num dos mercados mais competitivos do mundo, e com mais reputação do ponto de vista criativo, como era São Paulo. No Brasil, nasceram os meus filhos e o meu trabalho ganhou reconhecimento internacional.


No dia 31 de janeiro de 2014, chegámos a Nova Iorque
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Passámos de 35 graus à sombra para -15 graus ao sol. O inverno é muito duro, mas eu adoro. Adoro quando neva e fica tudo coberto de branco. Existem roupas especiais para os dias em que neva. Se me esqueço de levar as minhas botas de neve, posso ter a certeza de que vou chegar com os pés encharcados e com o rabo negro, de escorregar e cair na rua. Quando vejo sal no passeio, já sei que vai nevar. Colocar sal no passeio faz com que a neve não se transforme em gelo. Desde que cá estou, já houve duas blizzards (tempestades de neve). A primeira foi logo no mês em que cheguei. Recebemos um e-mail do presidente da agência a dizer que a City (Câmara Municipal) tinha ligado a pedir que toda a gente fosse para casa às 14 horas, porque às 16 horas deixavam de circular carros particulares e às 6 da noite os transportes públicos deixavam de funcionar. Mal cheguei a casa, peguei na minha mulher e nos meus filhos e viemos para a porta de casa brincar com a neve. Lembro-me de que essa foi uma das noites mais silenciosas desde que cá vivemos. Por uma vez, não se ouviram sirenes nem buzinas. Em Nova Iorque, são cinco meses de inverno, cinco de verão, um de outono e outro de primavera. O inverno e o verão são extremos. Em janeiro e fevereiro, é comum sair de casa com o termómetro a marcar -18º C. Em julho e agosto, o ar condicionado tem de estar sempre ligado. A temperatura não baixa dos 32 graus.
Independentemente do que marcam os termómetros, Nova Iorque é uma cidade onde há sempre o que fazer. Desde que saí de Portugal que não tenho carro (comprei um carro no Brasil mas vendi-o alguns meses depois) e não sinto falta nenhuma, pelo contrário. Nova Iorque é a cidade perfeita para andar a pé. Um dia destes, estava a fazer as contas a quantos quilómetros ando a pé e cheguei à conclusão de que ando em média 80 km por mês. Também gosto de correr, e prefiro fazê-lo ao ar livre do que na passadeira do ginásio. Felizmente, no verão há várias opções, sendo o Central Park o mais icónico.

Gosto de correr junto ao rio. De um lado temos o East River Running Path e do outro o West Side Running Path. Se escolher correr no East Side, entro na 23rd Street e só acabo em Downtown, junto aos ferries que vão para Staten Island e para a Estátua da Liberdade. Entre a 23rd Street e os ferries em Downtown, passo por baixo das três pontes que ligam Manhattan ao Brooklyn: Williamsburg Bridge, Manhattan Bridge e Brooklyn Bridge. A vista é fantástica, a pista não é tão boa quanto a do West Side. Quando opto pelo West Side, que é o meu caminho preferido, entro na 30th Street (junto ao Highline) e vou até ao One World Trade Center. A pista é 5 estrelas, lisinha e bem desenhada. Há muitos ciclistas nesta pista, então é preciso ter cuidado. Há bastantes jardins e árvores neste caminho, dá para ir passar ao lado dos Piers e voltar para a pista. O que eu gosto mais é que o caminho é sempre diferente, sempre a surpreender. Desde o ano passado que, em agosto, a City decidiu fechar a Park Avenue ao trânsito todos os sábados entre as 7 da manhã e as duas da tarde. A Park é uma das poucas avenidas em Manhattan que têm trânsito nos dois sentidos. Como vivo ao lado da Park, entro na 30th Street e subo até à 90th Street, Upper East Side. Pelo caminho, passo por baixo da famosa Grand Central Station, entre a 42nd e a 46th Street.

Vivemos em Manhattan, num bairro chamado Murray Hill, que fica a quatro quarteirões do Empire State Building. É uma zona bastante central. No verão, quando não está exageradamente quente, subimos a pé até ao Central Park, ao Bryant Park ou, se estivermos numa de lojas e restaurantes, vamos a pé até ao Soho. No inverno, os passeios são mais curtos, mas andamos bastante. Pelo menos uma ou duas vezes por semana, saio com a minha mulher para jantar fora. Umas vezes sozinhos, outras vezes com amigos. Gostamos de variar entre os restaurantes do West Village, East Village ou, mais recentemente, Lower East Side. Os nossos restaurantes favoritos são o The Beatrice Inn, Employees Only, Macao, Cherche Midi, The Standard, só para mencionar. Não costumamos ir a discotecas, mas vamos a bastantes concertos. Todas as semanas há alguém interessante a tocar na cidade. O difícil é mesmo escolher. Ao fim de semana (quando não estou a trabalhar), gostamos de fazer brunch com as crianças e depois ir ao parque passear. Trabalho no Flatiron, mesmo em frente ao Madison Square Park. De minha casa ao escritório, são 10 minutos a pé. À ida para o trabalho costumo falar com a minha mãe e à vinda com o meu pai. Estar longe da família e dos amigos é o que mais custa, mas o facetime e o skype aliviam.
Trabalho na Grey New York, a segunda agência mais premiada do mundo no Festival de Cannes em 2015 e 2016. Somos cerca de 1100 pessoas só aqui no escritório. No departamento onde trabalho, somos cerca de 500, entre criativos e produção. O departamento criativo está dividido em grupos de contas, e eu sou responsável por um deles, juntamente com o meu dupla, o brasileiro Marco Pupo, que veio comigo de São Paulo. No meu grupo, temos portugueses e brasileiros, além de sul-africanos e americanos. Quando cheguei à Grey, eu e o Marco éramos os únicos que falávamos português. Hoje, entre portugueses e brasileiros, espalhados por vários departamentos, somos quase 15. O nosso grupo pode trabalhar para qualquer cliente da agência, ao contrário dos outros grupos, que têm contas alocadas. O meu chefe é sueco e lidera todos os grupos do departamento criativo. O diretor criativo global é dinamarquês, já dá para ver que a agência é bem multicultural, ao contrário de muitas agências tradicionais americanas. A agência tem uma organização gay chamada Grey Pride. Em junho, quando o presidente Obama decretou o mês pride, na agência tivemos uma série de eventos organizados pelo Grey Pride. Um deles era uma exposição de posters com histórias pessoais dos gays e das lésbicas que trabalham na agência.

 

Temos também um grupo de futebol de 5, um grupo de yoga, outro de zumba, e por aí fora. Há organizações para todos os gostos e feitios. A agência organiza muitas festas. Temos uma chamada Dog & Pony, que acontece uma vez por mês, e outras que são temáticas. Em abril, temos o dia das crianças. Quem tem crianças pode trazê-las, temos bastantes diversões para elas. Assim, ficam a conhecer o ambiente onde os pais trabalham. O ambiente que se vive na agência é ótimo, mas também hipercompetitivo. Este é o quarto país onde trabalho e é de longe o mais competitivo e o único em que vi a cultura do mérito funcionar de verdade. O bom trabalho é sempre recompensado. E acabamos por ficar viciados neste ciclo. Quem trabalha em Nova Iorque sabe que quem está nesta cidade está pelo trabalho, pela adrenalina de trabalhar com os melhores. É a capital do mundo.

 

Os prémios criativos são muito importantes, porque cada vez mais os clientes querem trabalhar com as agências mais sexys. Os prémios trazem muito negócio. O facto de a Grey ser a segunda melhor agência do mundo dois anos seguidos fez com que grandes clientes nos viessem bater à porta a dizer que querem trabalhar connosco. Eu e o Marco ganhámos 21 Leões no Festival de Cannes, nos dois anos em que cá estamos. Podemos dizer que ajudámos a agência a ficar no segundo lugar. Para o ano, queremos ser primeiros. Vamos fazer por isso. Outra coisa que achei engraçado quando comecei a trabalhar em Nova Iorque foi que aqui ainda se vive um pouco o tempo do Mad Men. Os criativos andam bem arranjados, e quando apresentamos campanhas ao cliente vamos de fato e gravata. Há também o costume de ir beber uma cerveja a seguir ao trabalho. Na zona do Flatiron, muitas opções para todo o tipo de bolso. Desde o Ace Hotel ao Live Bait.

 

Podia ficar aqui o dia inteiro a falar sobre esta cidade pela qual estou apaixonado já lá vão mais de dois anos e meio. Quando vou a Portugal, venho com o coração partido, porque fica lá a família e os amigos. Mas, por outro lado, quando vou do aeroporto para casa e vejo Manhattan a aproximar-se, sinto que esta é a minha casa. E enquanto estivermos felizes aqui, aqui ficaremos. Quando nos fartarmos, logo decidimos para onde ir. Quem sabe, Portugal?

 

João Coutinho

Diretor Criativo na Grey New York (a segunda agência mais premiada do mundo no Festival de Cannes)

 

 

 

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