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Joana Metrass: Uma portuguesa em Los Angeles

“Aqui, a vida não é feita só de glamour e castings”

O meu sonho é ser atriz, seja lá onde for no mundo, essa é a base do sonho. O resto é bónus ou curiosidade. O resto são experiências diferentes. E tenho a sorte de viver do meu sonho há sete anos.

Primeiro, estudei o máximo que consegui, queria aprender tudo sobre esta arte. Hoje sei que não se aprende nunca tudo e por isso continuo a estudar e a descobrir mais e mais pelo mundo fora.

Comecei a trabalhar, primeiro no teatro, depois no cinema, filmes para televisão, e por fim televisão. Sinto-me realmente privilegiada por ter tido sempre pessoas que acreditaram em mim e que me deram oportunidades. Não se sobrevive sozinho nesta indústria. Somos sempre uma equipa, e é preciso não esquecer isso nunca, seja a que nível for. Do produtor ao ator, ao técnico de luz. Todos.

 

Sempre quis fazer tudo para ter o máximo de experiências diferentes e saber como esta arte é feita pelo mundo fora. Por isso fui…

Decidi que teria um prazo limite: três anos. Se não acontecesse nada, voltava.

Fui com o dinheiro suficiente para me sustentar durante um mês. Entre várias escolhas, acabei por me decidir por Londres. Cheguei lá, aluguei um quarto, andei a bater à porta de agentes até conseguir um. Arranjei um trabalho em part-time num teatro que consistia em levar as pessoas ao lugar. Era um trabalho que permitia sustentar-me (sorte a minha poder ser num teatro e ver atores incríveis a trabalhar e poder aprender com eles). Vivia semana a semana: pagavam-me à semana, pagava o quarto à semana e nunca sabia como ia ser a semana seguinte. Perguntavam-me: “Porque estás aqui a passar por isso tudo? E a olhar para os outros no palco, a ver de fora, quando podias estar a trabalhar no palco?” – “Porque tenho curiosidade neste novo mundo, porque não quero deixar sempre para amanhã, porque quero arriscar, porque sonho!”  E estava disposta a fazer isto durante os três anos se fosse preciso. Mas tinha de saber que era capaz, e por isso fui!

Tive sorte (sim, porque também é preciso sorte: 10% é talento, 85% é trabalho e 5% é sorte) e, ao fim de três semanas em Londres, tinha conseguido o meu primeiro papel num filme blockbuster: Dracula Untold. E, três semanas mais tarde, estava a sair de Londres para a Irlanda para filmar nos cenários mais incríveis que já vi, a ver florestas e castelos construídos dentro de um estúdio… e a ver chover durante todo o mês de agosto! Por isso, quando acabei as filmagens, no regresso, decidi parar em Portugal uma semana para ver sol e ir à praia, porque em Londres também já reinava de volta a chuva.

Quando estava a chegar à praia, ligou-me a minha agente a dizer: «Vem para Londres, o Guy Ritchie quer-te num casting.» E eu fui. Em menos de três horas, estava num avião. Eu e a minha mala de 23 kg (que, durante mais de dois anos, foi aquilo a que chamei casa, pois andei sempre a mudar de um lado para o outro). Sempre que havia alguma oportunidade nalgum lado, alguma possibilidade de alguma coisa, mesmo que na maioria das vezes não desse em nada, lá ia eu. Quando parei de contar, tinham passado dois anos e eu tinha mudado de casa 18 vezes.

 

Valeu o esforço e a correria. Um mês e vários castings depois, estava a filmar com um dos realizadores de que mais gosto. É fascinante ver-se uma mente que se admira em ação, a dirigir-nos, fazer acontecer o que ele imaginou. E assim nasce o The Man from U.N.C.L.E.

Pelo meio destas filmagens, comecei a trabalhar noutro filme: The Spoiler − passar das grandes produções para o cinema independente, que tanto prazer me dá. Mudámo-nos todos, a equipa inteira, durante todo o período de filmagens, para a casa onde o filme acontecia. Vivemos uns com os outros, criámos em conjunto. A nossa vida era 24 horas por dia The Spoiler. Em menos de meio ano em Londres, pude viver todas estas experiências e formas de trabalhar diferentes com pessoas diferentes.

Depois, chegaram de novo boas notícias. Recebi uma bolsa da Gulbenkian para poder ir estudar um método que não me era possível estudar em Portugal. Fui para os EUA, para Los Angeles.

Com um novo currículo ‘no bolso’, fui de novo ‘bater a portas’ e consegui um manager. Decidi que isso era um sinal e que ia investir todo o dinheiro que tinha guardado para concorrer a um visto de trabalho para poder ficar em Los Angeles. E consegui. Durante uns meses, continuei entre Londres e Los Angeles, entre casas e mais casas, sempre atrás de qualquer possível oportunidade. No regresso da minha ultima estadia em Londres, acabados de fazer dois anos desde que tinha saído de Portugal − dois anos em que tanto já tinha acontecido −, aterrei em LA decidida a assentar.

Quando aterrei e liguei o telefone, tinha um casting para o dia seguinte. Para aquele que seria o meu novo projeto na minha carreira: Once Upon a Time. Em menos de um mês, estava a mudar-me para Vancouver, no Canadá, onde fiquei a filmar a 5.a temporada da série. Mais uma vez, uma experiência completamente diferente de tudo. Ainda não tinha feito televisão fora de Portugal. É um balanço entre reaprender muita coisa, pois é tudo feito de maneira diferente, é uma constante aprendizagem. E, ao mesmo tempo, é saber usar as mais-valias que trago do meu trabalho e desta indústria em Portugal. Por exemplo, a capacidade de decorar texto que um ator português tem é muito maior, é muito mais rápida, porque em Portugal não há o mesmo tempo para fazer as coisas. Foi uma grande mais-valia que tive em comparação com outros atores aqui, no processo de casting: receber castings para o dia seguinte com três cenas, 10 páginas de texto. Muitos não conseguem decorar, por isso vão mais nervosos, mais inseguros, não têm tempo de fazer o trabalho de criação de personagem, porque precisam de usar todo o pouco tempo para decorar o texto, e muitas vezes não conseguem mesmo e fazem o casting de papel na mão, e certamente o resultado não é igual. A memória é um músculo que se treina. Em Portugal, cheguei a ter de decorar 30 cenas para o mesmo dia!

A vida aqui não é feita só de glamour e castings todos os dias. Eu tenho muito menos castings do que qualquer americana ou inglesa: pela minha imagem, que não é a mais comum, e, principalmente, porque tenho “pronúncia”, e na grande maioria das vezes isso não é aceite. Tudo isto reduz o número de castings a que tenho acesso. Por isso, o que é verdadeiramente o meu dia a dia é treino, é disciplina, é trabalhar por mim todos os dias na minha arte (como um músico que precisa de treinar escalas diariamente). É preciso uma rotina para não se cair no “buraco escuro da instabilidade”, no vazio de estar à espera de que o telefone toque.

É preciso amar este trabalho, é preciso que seja a minha vida e não apenas o trabalho que vem pagar as contas. Todos os dias acordo e treino a minha voz, o meu corpo, a minha memória, a minha capacidade de imaginar, continuo a ir a aulas e a ser uma eterna estudante, independentemente de quão profissional seja. Todos os dias tento fazer tudo o que está nas minhas mãos para conseguir criar oportunidades e, quando elas chegam, estar preparada e ‘em forma’ para conseguir agarrá-las. Todos os dias dou tudo para que não seja em vão que estou longe dos que amo, longe do meu país.

Terminaram agora os três anos que tinha estabelecido como limite “se nada acontecesse…” E, afinal, tanto aconteceu!

Joana Metrass

Atriz

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