"O amor é feito de plasticina", por Nuno Eiró

“O amor é feito de plasticina”, por Nuno Eiró

“Categorizar o amor é mesquinho, pequenino, e todos os adjetivos que se consigam reduzir ao mero diminutivo que estará à altura e ao tamanho de tamanha categorização”

É moldável, versátil, é uno, porém divisível, adapta-se, transforma-se, é intemporal mas, às vezes, apresenta-se com prazo de validade, é bonito mas consegue tornar-se feio, é suave mas pode ser rude, agreste e, infelizmente, violento.
O amor não está sujeito a quantificação, nem categorização. Amor é amor, é um sentimento. Ponto. Não interessa o sujeito, nem o complemento direto… ou indireto, apenas o verbo, a ação.

Há uns anos (valentes), num almoço de solidariedade natalícia, um colega partilhou comigo uma altura particularmente triste da sua vida em que, simultaneamente, lhe tinha falecido o cão e a mãe. Assim, por esta ordem. Sem interjeições nem justificações. Simples, direto, despudorado como o amor, na minha modesta opinião, deve ser. Na altura, achei estranho e pensei para comigo: “Ora bolas, ele não devia ter misturado tudo na mesma frase.” Na altura, eu sabia muito pouco, sobre a vida em geral e o amor em particular.

Hoje entendo, claramente, que o amor consegue ser mais forte do que tudo: cor, raça, sexo, género, idade, lógica, sensatez, sentido de justiça e, em muitos casos, mais forte do que o aparentado amor-próprio.

O verbo é sempre o mesmo, muda o complemento direto. E muda o sujeito, ao longo do tempo.

Amor é o brilho nos olhos e o sorriso lustroso da minha mãe, quando chego a casa para a visitar. Amor eram os latidos e as turras do meu Pips, quando me queria dar a entender que eu não estava sozinho, em incontáveis horas e dias e meses a fio que partilhámos o mesmo espaço, quase sem interferência exterior. Et voilà, aqui estou eu, mais de dez anos volvidos, a dar razão ao sábio colega. Felizmente, ainda tenho a minha mãe, mas nada nem ninguém ocupa o vazio que se instalou no meu coração desde que o meu cão se foi embora.

Categorizar o amor é mesquinho, pequenino, e todos os adjetivos que se consigam reduzir ao mero diminutivo que estará à altura e ao tamanho de tamanha categorização.

Pessoas, animais, músicas, lugares, cheiros, sabores, temos um Mundo para amar. Lá está, muda o móbil, mas a ação é sempre a mesma. E é tão boa. É tão bom poder sentir o coração aos pulos e o sangue a fluir mais rápido nas veias. Sentir o arrebatamento despenteado que só o amor puro nos confere numa situação que só a nós diz respeito e faz sentido.

O amor é para ser vivido intensamente e em sede própria. E aproveitá-lo enquanto ele existe. E quando acabar, se acabar, olhar para trás, sem remorsos, sem mágoas, porque se viveu na altura certa, mesmo que agora já não faça sentido. Porque o amor vai existir sempre, mesmo que mude de forma, ou de cor. Porque, afinal, o amor é feito de plasticina.

Crónica por Nuno Eiró

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